Projeto interdisciplinar estuda a diversidade das formas de engajamento musical

“O Musicar Local – novas trilhas para a etnomusicologia” traz uma proposta com especialistas de várias áreas para discutir os amplos processos do fazer musical

O músico Yannick Delass e o artista Shambuyi Wetu em performance em São Paulo. Foto: Rose Satiko G. Hikij

Formado em 2011, o PAM, grupo de pesquisa em antropologia e música da FFLCH, reúne interessados em fazer a relação entre as duas áreas, e é coordenado pela pesquisadora Rose Satiko Hijiki. Boa parte dos pesquisadores do grupo fazem parte do projeto temático O Musicar Local – novas trilhas para a etnomusicologia, que têm como objetivo pensar as diferentes formas de engajamento musical em localidades diversas.

Além de Rose, o projeto têm também como pesquisadora principal Flávia Camargo Toni, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, e têm a coordenação de Suzel Reily, do Instituto de Artes da Unicamp. O termo musicar foi adotado como uma adaptação da palavra em inglês musicking, criada por Christopher Small, para descrever qualquer forma de engajamento com música. “A performance musical é uma forma de musicar, mas musica-se também ao ouvir ou falar sobre música, ao fazer o download de uma música ou mesmo ao participar da organização de um show.” afirma a pesquisadora. “Com efeito, Small chama atenção para o caráter social do musicar, ocorra ele numa performance em tempo real ou mediado por música gravada. Musicar, enfim, é engajar-se num processo interativo ligado à produção e vivência da música.”

As pesquisas também dão ênfase ao entender do musicar dos artistas no contexto de suas localidades. Hijiki usa como primeiro exemplo seu próprio trabalho ao analisar o fazer da música de imigrantes africanos em São Paulo: “Para entender o musicar desses artistas preciso compreender outros processos relacionados como a migração, a diáspora, a disposição desses estrangeiros em uma cidade como São Paulo, aos espaços que eles passam a integrar tanto em seu dia-a-dia como moradores, quanto em seu fazer artístico e musical, como festivais e bares para refugiados, festivais de música do mundo, entre outros”, explica a pesquisadora. “Então é entender a relação entre o fazer musical e o lugar onde esse fazer se realiza.”

Rose ainda ressalta que a localidade não é necessariamente um lugar físico, imutável, mas sim o ponto de encontro entre as pessoas neste ato de fazer música, em um processo em que os lugares são influenciados pela música e como essas localidades interferem no fazer musical. Partindo desse contexto, ao se estudar diversos espaços em que se pratica música e também tendo a cidade de São Paulo como foco, a mestranda Paola Lappicy estuda como a música está presente no cotidiano dos catadores de lixo na capital paulista, observando, por exemplo, como alguns dos trabalhadores carregam caixas de som em seu ofício, mas também aqueles que cantam durante o trabalho, fazendo da música uma parte integrante de seu dia-a-dia.

Há pesquisadores no projeto também trabalhando com grupos indígenas, estudo bastante tradicional no campo da antropologia, porém aqui de forma diferente do habitual feito na área, de acordo com Hijiki. “Os pesquisadores estão preocupados na relação entre a maneira determinadas músicas realizadas por populações indígenas estão dialogando com aquela localidade específica e as transformações que aquela localidade têm passado”.

É o caso da tese de doutorado de Klaus Wernet, que descobriu ao pesquisar aldeias guaranis, é o crescimento e prática de estilos urbanos, como funk, sertanejo, forró e samba. Klaus estuda como se dá a relação dessa população indígena com a sociedade branca em termos musicais e como esses estilos da cidade de música e dança vem sido apropriados e praticados nas aldeias.

Com o primeiro ano completando no próximo mês de agosto, o projeto terá no total cinco anos de duração, e além de seminários, estão sendo produzidos artigos, livros, textos, ensaios, e também obras audiovisuais, como documentários e filmes etnográficos. “Achamos importante para o registro de performances musicais o uso dessas plataformas audiovisuais”, explica Rose, que também contou que pretende promover contatos e encontro dos grupos musicais estudados no projeto, para troca de experiências e apresentações na universidade.

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