Reciclagem de prata é alternativa para o descarte de placas de computadores

Síntese em nanopartículas de prata ainda pode aumentar o valor agregado da reciclagem

Fonte: Newsweek

Com a informatização da vida e a redução do tempo útil dos equipamentos, o material eletrônico tem se tornado o resíduo sólido que mais cresce no mundo, com 40 milhões de toneladas ao ano. Desse número, 5 mil, no Brasil, são apenas de placas de circuito impresso (PCI) de computadores – placas repletas de componentes eletrônicos interligados por “trilhas”, que conduzem corrente elétrica para o funcionamento do sistema. Antigamente, essas “trilhas” eram feitas com uma liga de estanho e cobre, prejudicial a saúde e ao meio ambiente. A partir de resoluções diretivas, convencionou-se o uso de uma liga de estanho, cobre e prata, muito menos danosa quanto aos dois aspectos. A prata, por sua vez, também trouxe robustez às placas, devido a sua grande condutividade térmica e elétrica. Ainda que por lei, os fabricantes e distribuidores sejam os responsáveis pela logística reversa (de recolhimento das placas), uma grande quantidade é descartada ou destruída incorretamente. Daquilo que é devidamente endereçado, uma parte ainda é exportada para ser reciclada no exterior. De todos os modos, tem-se uma perda de riqueza muito grande. Para evitar isso, Marcos Paulo Kohler Caldas, doutor pelo departamento de engenharia química da Poli, desenvolveu um método de reciclagem que transforma a prata em nanopartículas de maior valor agregado. “O objetivo é trazer para a indústria novas áreas de atuação”.

O valor agregado a que se refere diz respeito ao fato das nanopartículas – partículas ultrafinas, de 1 (10–9 metros) a 100 nanômetros – terem inúmeras propriedades que os átomos originais que as geraram não possuem. No caso da nanopartícula de prata, existem aplicações na farmácia, na indústria têxtil, na odontologia, na área de cosméticos e no próprio reuso em PCI. “Nos tecidos, por exemplo, conforme você vai dormindo no travesseiro, ele vai amarelando devido ao suor. A nanopartícula não permite que o suor se agregue ao tecido, criando uma camada protetora. [Já] para a odontologia, ela é antibactericida, [ou seja,] evita a proliferação de bactérias nos dentes”. Muito disso se dá pelo fato delas conseguirem, pelo tamanho, se encaixar de maneira uniforme no meio de compostos maiores. Além disso, Caldas lembra que as nanopartículas não existem naturalmente e, por isso, a importância de métodos como esse. A escolha para o estudo, como comenta, se deveu pelo valor um pouco maior que a nanopartícula de prata tem em relação a outras. “Cada metal tem aplicações distintas, [mas] não existe tecnologia para reciclagem total dessas placas na indústria. Um dos objetivos da pesquisa é dar subsídio para que possamos chegar a uma tecnologia de recuperação de todos os metais (cobre, zinco, alumínio)”.

Fonte: Advanced Cyclone Systems

Para isso, de acordo com o pesquisador, o primeiro passo era caracterizar o quanto havia desses elementos nas amostras, para que a extração da prata pudesse ser realizada. “Se sei que tem 1% de prata na amostra, na hora de recuperar, preciso recuperar esse mesmo 1%”. Assim, descobriu-se que 90% da prata de uma PCI se encontra nas soldas (elemento de ligação entre os componentes e as trilhas do circuito impresso). A partir daí, coletam-se as placas e, para que a interação com um ácido depois adicionado seja maior, moe-se até se obter uma granulometria de pó (ou seja, aumenta-se a área de contato). É então feita a solubilização dos metais com ácido sulfúrico, e em duas etapas, extrai-se primeiro ferro, zinco e alumínio, e numa segunda (em presença de um agente oxidante, responsável por roubar os elétrons do meio e agilizar o processo), cobre e prata. “É uma extração sólido-líquido [que depende dos valores] de temperatura (95ºC), agitação e concentração do ácido (2 molar, medida de concentração de um soluto numa solução, mol/L). São 18 horas na primeira etapa e 6 horas, na segunda”.

Nesse líquido que sobra, precipita-se a prata em um pó branco, o cloreto de prata, e em uma nova solubilização, extrai-se a prata purificada. Daí para a síntese de nanopartículas, adiciona-se água destilada, aquece-se para ebulição e goteja-se citrato de prata na mistura. Com o tempo, a prata, que era inicialmente transparente, começa a amarelar, sinal que a síntese foi efetuada com sucesso. Esse já é um método conhecido pelo nome Turkevich. A diferença é que o original estabelece o uso do nitrato de prata, mas como aqui a precipitação é feita com cloreto de sódio, o composto resultante é o cloreto de prata, o que exige algumas adaptações. Por fim, com a nanopartícula já sintetizada, o doutor trabalhou com a caracterização de sua morfologia, em outras palavras, “a forma e o tamanho médio do diâmetro da nanopartícula. Dali, é só tirar e fazer uso delas na indústria”.

Ele ainda comenta que o processo prevê pequenas perdas durante a moagem. “Perde um pouco para o ambiente na forma de finos, mas é pequena, de 1% a 2%”. No entanto, uma vez trabalhando dentro dos padrões de temperatura, aquecimento e agitação desenvolvidos na pesquisa, o processo será sempre o mesmo. E embora os estudos no Brasil se restrinjam ainda ao campo acadêmico, Caldas ressalta que, seja em equipamentos de DVD, carro, eletrodomésticos ou outros, contanto que as placas sejam livres de chumbo, já na nova regulamentação com prata, todo o processo (salvo algumas modificações de solubilizantes e agentes oxidantes) seria bastante similar. Notícia bastante positiva para as 97 mil toneladas de sucatas oriundas dos mais de 10 milhões de computadores obsoletos anualmente em território nacional.

2 Comentário

  1. Muito interessante o artigo, o que mostra que devemos todos nos preocupar com a reciclagem, e principalmente, com a preservação do meio ambiente, o que é plenamente possível, alinhando-se o desenvolvimento com tecnologias de reciclagem.

    • De fato, Josue! Muitas pesquisas bacanas estão rolando no ambiente da USP

      Muito obrigado pela leitura!

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