Pesquisadora da EEFE-USP (Escola de Educação Física e Esporte), Ana Zimmermann estuda o relacionamento do corpo humano com o espaço em que se encontra. Segundo ela, o contato de jovens com práticas corporais diversificadas e esportes não convencionais, como parkour e skate, pode enriquecer o repertório motor nas aulas de educação física escolar. A chave, na opinião da professora, está na possibilidade de reconhecer a riqueza das práticas corporais e correr riscos.
Comumente associado a algo prejudicial, o risco nesse caso funcionaria como um elemento que impulsiona a descoberta e autonomia. A possibilidade maior de um erro traria uma resposta imediata para buscar uma solução, trazendo uma maior fluidez para a prática: “Quando um aluno não tem um comportamento esperado, aquilo é visto como um erro, e colocamos muita ênfase no fracasso. Fora da escola, a pessoa percebe os equívocos e busca outras alternativas. O erro, às vezes é um caminho para o acerto. Um dos pontos é esse, não focar no erro sempre como algo negativo.” O risco, na maioria das vezes, está associado a alguma possibilidade de perda, entretanto requer o exercício de lidar com a diferença, com o que não estava previsto, portanto provoca a potência do aluno.
Uma barreira, no entanto, é o pouco espaço para a incerteza, para o inesperado no meio escolar. Tanto no quesito de planejamento da instituição quanto para o próprio aluno, a falha é praticamente inaceitável: “Temos que assumir o risco, de algo dar certo ou não. Na escola, buscamos controle e previsibilidade. O aluno muitas vezes fica constrangido de assumir riscos: ‘Não vou fazer porque pode dar errado’. Na sua opinião, esportes urbanos e práticas não-convencionais devem fazer parte das aulas, mas, assim, a conduta exploratória está em parte prejudicada e perde-se parte desse elemento do espontâneo, do arriscar-se.”
A inclusão desses tipos de atividade pode ser feita de uma maneira mais simples do que aparenta, mantendo condições necessárias de segurança: “As escolas são muito preocupadas em ter uma quadra poliesportiva, um espaço geométrico que conduz a uma ideia de esporte, comumente voleibol, basquete, futebol e handebol. Mas há outros espaços na escola que poderiam ser utilizados para diferentes práticas, não apenas uma quadra”. Pátios, corredores, árvores, bancos e degraus podem indicar diferentes desafios e formas de interação que a riqueza da cultura corporal reconhece, entretanto a tradição esportiva da quadra ainda predomina.
Estas questões tem sido muito discutidas no âmbito da Educação Física Escolar e diferentes possibilidades de brincadeiras, jogos tradicionais, danças, lutas, ginástica, atividades de aventura, além do esporte convencional, são reconhecidos como manifestações importantes da cultura humana. Entretanto, segundo Ana: “O que tem acontecido muitas vezes é selecionar uma prática diferenciada e colocar nos moldes do esporte convencional. Tiramos as características de desafio, risco e elementos culturais, e enquadramos num determinado modelo”. A falta de questionamento sobre esse modelo, no entanto, dificulta a compreensão de dimensões mais abrangentes das diferentes práticas. Reconhecer as referências culturais do alunos e escutar suas opiniões sobre as aulas é uma das possibilidades para quebrar essa convenção: “Temos que pensar ao contrário. O que tem nessas atividades que nos ajudam a repensar a escola?”
Na opinião da professora, a valorização da diversidade da cultura de movimento poderia servir até para questionar a rotina contemporânea, geralmente engessada: “Uma das contribuições de qualquer prática corporal é trazer uma dose de imprevisibilidade e espontaneidade mostrando que hoje em dia, vivemos num mundo bastante padronizado, de rotina. Os espaços e o que se faz em cada lugar já são determinados. As práticas corporais, esportivas ou não, permitem diferentes formas de interação com o meio e com os outros, com o imprevisível, com o desafio, com a possibilidade de testar-se.”
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