No início deste mês foi defendida na Faculdade de Direito da USP tese de doutorado sobre a corrupção empresarial do ponto de vista do Direito Penal. Isso é, a pesquisa, intitulada Autorregulação regulada, criminal compliance e mecanismos sancionatórios, critica o tratamento administrativo dado às irregularidades das instituições privadas e defende que haja a criminalização dos episódios.
A Lei Anti-Corrupção (Lei 12846/2013), sancionada em 2013, trata sobre o desvirtuamento de empresas contra os órgãos administrativos nacionais e estrangeiros, atribuindo responsabilidades administrativas e civis à pessoa jurídica, ou seja, a condenação não é penal, os atos não configuram crimes. A autora do doutorado, Cláudia Barrilari, aponta o problema da sentença apenas no âmbito administrativo. “Todo crime traz consigo, além de procedimento, regras e garantias próprias do direito penal, uma mensagem simbólica, comunicativa, mais relevante que a administrativa. Uma coisa é se cometer um crime, outra cometer uma irregularidade administrativa. Uma coisa é você passar no sinal vermelho, outra você atropelar uma pessoa, por exemplo. O crime traz uma mensagem comunicativa para você mesmo e um outro enfoque para a sociedade”.
A pesquisadora trouxe exemplos das legislações espanhola, francesa, inglesa, americana e italiana com a brasileira, traçando a propensão internacional da criminalização da corrupção. Na Espanha, a legislação também abordava a corrupção na ótica administrativa e apenas sete anos depois migrou para a área penal.
A França, em especial, já tratava a corrupção dentro do escopo penal, mas passou a adotar medidas de “bom comportamento” (ações voltadas para a diminuição e gestão de danos financeiros e sociais), como os programas de integridade originados pela Lei Anti-corrupção, chamadas de compliance. “O compliance é um novo tratamento dado aos crimes dentro do âmbito empresarial que agrega a responsabilidade penal da pessoa jurídica à responsabilidade, enquanto ente corporativo, de estabelecer mecanismos de prevenção de atos ilícitos”. O Reino Unido e os Estados Unidos, através do Bribery Act e do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), respectivamente, também alinham o compliance ao tratamento da corrupção empresarial.
Outro ponto abordado na tese é o alinhamento das empresas com os direitos humanos. O Pacto Global da ONU, derivado da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, estabelece o combate à corrupção, incluíndo extorsão e propinas, como um dos dez princípios que deveriam ser adotados pela comunidade empresarial. “Há um tratamento consensual, uma visão voluntarista, que poderia ter uma força coercitiva maior se nós tivéssemos a previsão da responsabilidade penal para a pessoa jurídica. Mais do que um convite, considero necessário, em alguns aspectos, que a empresa se veja obrigada a dar um tratamento para combater a corrupção e outros fatos relevantes do Pacto”.
Em 2014, a palavra corrupção se tornou rotineira no vocabulário brasileiro, devido ao início das investigações da Operação Lava-Jato. Desde então, algumas das maiores empresas do país, como as empreiteiras Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez, e a JBS foram enquadradas em sistemas de corrupção que movimentavam bilhões de reais. “Dados os escândalos que vem acontecendo no país, seria também uma resposta à sociedade que o Brasil começasse a adotar a responsabilidade penal para as empresas, até com base do que vem acontecendo no mundo. Por que não? Essa é a pergunta”.
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