Cerca de 550 milhões de anos atrás, durante o período Ediacarano, o planeta foi palco de uma importante inovação evolutiva: o surgimento dos primeiros animais capazes de produzir esqueletos. Cloudina estava entre esses primeiros animais capazes de realizar biomineralização, ou seja, de produzir conchas e esqueletos. O foco de estudo de Bruno Becker Kerber, em seu mestrado, foi justamente com fósseis de Cloudina e a gênese de seu processo modo como esse organismo desenvolvia suas estruturas rígidas. Seu objetivo foi entender as origens da carapaça formada pelo animal e suas interações ecológicas nos ecossistemas do período, uma vez que elas oferecem respostas para questões acerca do surgimento de mecanismos importantes na evolução da biosfera.
Fósseis do grupo Cloudina aparecem em diversas partes do mundo, como na Namíbia e na China. No Brasil, foram encontrados em rochas sedimentares no município de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Esses fósseis são coletados pela Universidade de São Paulo desde os anos 1970 e foram investigados por Kerber em sua pesquisa. Em um primeiro momento, ele se propôs a entender a morfologia, a composição e a estrutura dos fósseis, realizando análises geoquímicas. Com isso, pôde constatar quais eram os minerais que compunham originalmente a carapaça e quais eram as estruturas e fatores envolvidos em sua construção.
Uma das amostras observada pelo pesquisador continha fósseis em posição de vida, ou seja, no local onde habitavam. A partir dessa amostra, foi possível chegar a conclusões importantes sobre como o animal vivia. “A Cloudina é um fóssil tubular. Percebi que algumas delas tinham crescimento horizontal e, quando encontravam outra Cloudina mudavam a direção do crescimento. Aparentemente, algumas cresciam evitando umas às outras, em uma espécie de competição espacial”, conta Kerber. Essa, segundo o pesquisador, pode ser uma das mais antigas ocorrências de competição intraespecífica no registro fóssil.
Nesses mesmos fósseis em posição de vida, foram encontradas associações com esteiras microbianas, que elevam a concentração de oxigênio no local onde estão. Estudiosos relacionam a evolução inicial dos animais com as elevações na concentração desse gás, e a presença de esteiras microbianas nos fósseis do animal corrobora para essa hipótese. Kerber explica que, para uma biota biomineralizada — como é o caso de Cloudina —, o aumento de oxigênio no local e os nutrientes da esteira podem ter propiciado um ambiente favorável ao desenvolvimento de conchas. “Esses ambientes, que eram como uma espécie de oásis de oxigênio, permitiram que a biomineralização tivesse um palco para evolução”, afirma o pesquisador.
Além disso, ele observou que algumas das amostras que analisava tinham perfurações na concha, o que, com base nos indícios coletados, leva a crer que seriam originadas pela atividade predatória. A importância de tal evidência é grande não apenas por apresentar um dos fatores para o surgimento da biomineralização — forma de proteção contra predadores —, mas também por adicionar mais uma informação sobre o período Ediacarano. “Além de todas aquelas mudanças que estavam acontecendo no ambiente, como a elevação da concentração de oxigênio na atmosfera e o surgimento dos primeiros animais e da biomineralização, temos também o aparecimento dos primeiros predadores”, ressalta Kerber.
Papel na evolução da biosfera e biota
O pesquisador aponta que, a partir do momento em que surgiram os esqueletos biomineralizados, ocorreram várias implicações na biosfera, no sentido de interações ecológicas e evolutivas. Uma grande consequência é a alteração dos ciclos biogeoquímicos, uma vez que há a retirada de elementos como cálcio e silício dos oceanos, modificando a ciclagem desses elementos.
Ainda, há a evolução da relação predador-presa. Estando em constante coevolução, eles desenvolvem adaptações e contra-adaptações um contra o outro, como em uma espécie de corrida armamentista evolutiva. Estruturas rígidas forneceram tanto mecanismos de proteção, que pode ser o caso de conchas, como estruturas capazes de as perfurar ou quebrar. Essas interações evolutivas de predação podem ser constatadas a partir de Cloudina e, de acordo com Kerber, podem ter sido fatores importantes até mesmo para o período de tempo conhecido como a “explosão do Cambriano”, quando se tem uma grande radiação da vida animal.
Faça um comentário