A listeriose, uma enfermidade bacteriana, pode ser transmitida por contaminação cruzada, ou seja, através da transferência de um local contaminado para outro, em alimentos fatiados em estabelecimentos comerciais. É o que mostra a dissertação de mestrado de Daniele Bezerra Faria, Contaminação cruzada durante o fatiamento de produto cárneo pronto para o consumo: foco em Listeria monocytogenes, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo.
A pesquisadora estudou como se dá a contaminação do rosbife pelo bacilo Listeria monocytogenes no momento do fatiamento, prática comum em mercados. “Há legislação para os abatedouros, com relatórios ao Ministério de Agricultura. Mas no varejo a única fiscalização é da Anvisa, que visita para saber sobre as condições higiênico-sanitárias”, explica Faria. No entanto, mesmo a legislação, de 2001, só abrange a prevenção da bactéria em queijos.
Visitas a dez supermercados mostraram que 70% não usam sanitizantes. Quando utilizam, não é o produto adequado na concentração correta. “Muita gente usa cloro, que não mata, e usa, às vezes, apenas sabão”, afirma a pesquisadora. Além disso, o fatiador tem design que acumula resíduos dos alimentos, propiciando condições para o desenvolvimento de Listeria, que pode sobreviver nesse meio por até dez dias. “Em laboratório, a limpeza que eu fazia para não ter presença da bactéria era desmontar o fatiador inteiro, tirar o resíduo, deixar na lâmpada UV [aparelho com propriedade germicida] para tirar um pouco da contaminação, passava sabão e sanitizante e deixava mais 15 minutos na UV.” No entanto, na prática, o ritmo de trabalho do varejo não permite esse gasto de tempo.
Sem o procedimento de limpeza adequado e tendo processado material com Listeria, o fatiador contamina todos os alimentos que passam por ele. “No começo, a concentração da bactéria cai bastante. Mas ela se torna mais estável e é detectável até a ducentésima fatia”, aponta Faria. “Provavelmente, não interessa quantas fatias você cortar, ela vai se manter”, conta a pesquisadora, que usou uma nova técnica de biologia molecular para detectar baixas concentrações.
A solução está no treinamento para quem trabalha fatiando frios, de modo a ressaltar a importância da limpeza constante e de não permitir acúmulo de matéria orgânica nos instrumentos. “Em meus testes, quando usei o sanitizante na concentração indicado pelo fabricante, matei listeria. Os passos certos existem, o problema é o treinamento e a fiscalização”, diz Faria.
Apesar da incidência baixa (0,26 a cada 100 mil habitantes), a listeriose tem taxa de mortalidade de 20% a 30%. Além disso, é subnotificada no Brasil, por não termos um sistema informatizado de dados que integre hospitais, universidades e centros de análise, como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos. “O nosso papel, nesse sentido, é alertar e gerar discussão”, afirma a pesquisadora. Foram registrados dois surtos de Listeria nos últimos anos, em 2007 e 2009, ambos no Rio Grande do Sul, com 19 doentes no total e nenhum óbito. No entanto, só em 2016, foram 22 mortes no país causadas por meningite ocasionada pela bactéria, segundo dados obtidos pela reportagem junto ao Ministério da Saúde
O grupo de risco para a doença inclui grávidas, idosos e crianças. “Depende da imunidade do.indivíduo e de quanto foi consumido do alimento contaminado para a Listeria se efetivar no organismo”, explica a pesquisadora. Apesar de sobreviver a uma grande amplitude de temperatura, a bactéria morre se submetida a mais de 60°C (veja mais no quadro abaixo). “A contaminação cruzada se dá de maneiras diferentes para presunto, rosbife, mortadela, salame e outros produtos cárneos. Mas é válido para todos os produtos fatiados: não é recomendável consumir cru”, diz Faria.
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