Imagine que fosse possível unir em um só projeto literatura, história, música e as ciências exatas e tecnológicas. O que pode parecer à primeira vista uma tarefa impossível, é exatamente o que o pesquisador Rodolfo Coelho de Souza, do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCL-USP), se dispôs a fazer durante seu ano sabático em 2016 no Instituto de Estudos Avançados (IEA).
Sua proposta é a criação de uma ópera intitulada A Máquina de Pascal em Pernaguá, que tem como foco principal o desenvolvimento de novas sonoridades por meio de uma plataforma digital intitulada Csound, criada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) na década de 90 e que hoje é mantida e aperfeiçoada coletivamente por pesquisadores do mundo todo.
O processo de geração de música nesta plataforma é denominado síntese digital direta. Rodolfo explica que para criar a música, o compositor escreve as instruções na linguagem Csound e a plataforma gera diretamente o som em um CD ou outro dispositivo. “Isto é, não tem instrumento, ninguém toca nada. Quando as pessoas me perguntam o que toco, falo que toco computador, porque hoje com o computador faço o som direto. Não tem parte mecânica, só tem parte digital”. O uso de recursos da tecnologia na música é amplamente difundido hoje. Em shows de música pop, ou até mesmo em musicais, é comum que haja no palco também uma sessão eletrônica, que muitas vezes passa despercebida. A inovação na pesquisa de Rodolfo é levar esta proposta para o universo da ópera.
Quanto à natureza dos sons gerados, estes podem ou não ser análogos aos de instrumentos. Embora enfatize que sua prioridade é criar sons inusitados e ainda desconhecidos, Rodolfo eventualmente busca estabelecer alguma familiaridade com determinados instrumentos, em especial aqueles de percussão ligados à música afro-brasileira e nativa indígena. Neste e em diversos outros aspectos, como o narrativo, presente no libreto escrito por Rodolfo e pela professora Luci Collin, há também uma grande inovação no que diz respeito ao posicionamento do Brasil diante da música erudita. O pesquisador declara sua intenção de afirmar a música brasileira dentro do gênero e fugir da tendência que perdura em muitos países periféricos no que se refere às artes dos países centrais, de mera reprodução. Em suas palavras, “é preciso fazer música para brasileiro ver, não para inglês ver”.
Embora por meio de uma breve contextualização histórica seja possível perceber que há um movimento neste sentido de abrasileiramento há algum tempo, como a produção de óperas que relatam a literatura e personagens históricos brasileiros, a produção da Máquina de Pascal em Pernaguá busca esta identidade em um contexto diferente, a começar pelo uso do Csound, naturalmente uma tecnologia estadunidense. De acordo com Rodolfo, é preciso saber se situar dentro de um mundo globalizado. “É procurar a inserção dentro do universo da cultura contemporânea universal, mas com nosso viés, com nosso jeito”.
Ao lado da Unicamp e da UFRJ, a USP, por conta da pesquisa de Rodolfo no IEA e do grupo NuSom na ECA, se configura como um dos centros de pesquisa no Brasil na área de música gerada a partir de computadores.
Além da elaboração da ópera, que deve ser concluída até o final do ano, já foram publicados dois artigos escritos por Rodolfo em revistas ligadas à música e tecnologia em decorrência do desenvolvimento da pesquisa.
Faça um comentário