Molécula aumenta invasão de Trypanosoma cruzi em hospedeiros

Protozoário causador da Doença de Chagas vem sendo estudado ao longo dos últimos 40 anos e muitas descobertas referentes à sua estrutura e atuação foram realizadas

Protozoários conhecidos com Trypanosoma cruzi observados através de microscópio / fonte: reprodução

Por Álvaro Logullo Neto – alvarologullo@gmail.com

Maria Julia Manso Alves é professora do Instituto de Química da USP, para o qual foi contratada no ano de 1972. Desde então, mantém um laboratório no Departamento de Bioquímica interessado em estudar o Trypanosoma cruzi, protozoário conhecido por ser o agente etiológico da Doença de Chagas. Ao longo dos anos, a abordagem de pesquisa foi amplamente modificada buscando-se um melhor entendimento das diversas ações do parasita durante o ciclo da doença: “As perguntas que gostaríamos de responder mudaram com o passar dos anos”, explica a professora Maria Julia. “Como cientistas, isso é normal. Tudo começou em busca de uma vacina contra a doença, mas vimos que isso não seria possível como havíamos planejado, utilizando as moléculas que estávamos estudando”.

A Doença de Chagas foi descrita pela primeira vez no ano de 1909 pelo médico brasileiro Carlos Chagas, que identificou seu vetor – inseto conhecido como barbeiro – parasita e ciclo vital. Na América Latina há, atualmente, entre 5 e 6 milhões de pessoas infectadas de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Cerca de 7 mil mortes ocorrem por ano na região. Existem apenas dois medicamentos conhecidos e disponíveis para o tratamento da enfermidade, porém ambos são pouco eficazes na fase crônica da doença,  além de causarem  efeitos colaterais.

Ciclo de vida do Trypanosoma cruzi / fonte: Centers of Disease Control and Prevention (CDC)

Por encontrar grandes dificuldades em seu objetivo inicial, desenvolver uma vacina para a Doença de Chagas, o Laboratório optou por concentrar os esforços em dois objetivos principais. O primeiro, identificar as moléculas envolvidas na interação entre o tripomastigota – forma extracelular do T. cruzi, que circula no sangue e apresenta flagelo – e a célula de mamífero, responsáveis pela adesão do parasita. O segundo, identificar a sinalização celular desencadeada no parasita por sua interação com a matriz extracelular, que como explica a professora, é “o conjunto de moléculas que funcionam como ‘cimento’ entre as células de um tecido e que o parasita tem de atravessar para atingir a célula hospedeira ou para sair do vaso sanguíneo, alcançando as células do tecido do organismo”.

Molécula Tc-85

Procurando compreender as interações entre parasita e célula hospedeira e como se dá sua adesão, estudos com uma molécula em especial (Tc-85) chamaram a atenção. Anticorpos específicos contra essa molécula inibiram a invasão de tripomastigotas a células de cultura de tecido (entre 50 a 90%): “ Identificamos as moléculas a quem a Tc-85 se liga e mostramos que uma região da Tc-85 aumenta a infecção do parasita em cultura de células e em camundongos”, comenta Maria Julia. “Foi mostrado por outros grupos que ela pertence a uma grande família de genes, chamada de gp85/trans-sialidase, formada por moléculas com e sem atividade catalítica e codificada por mais de 700 genes.”

Também tratou-se da primeira descrição na literatura de que essa molécula [Tc-85] é eliminada pelo parasita no meio onde ele se encontra na forma de vesículas. “Hoje o papel biológico de vesículas é largamente estudado na literatura, no câncer, na resposta imunológica, na infectividade de parasitas, entre outros”.

Identifica-se na imagem as vesículas, que são os pontinhos brancos desprendidos do parasita e que acabam deixados no meio onde ele está. Tal ação é fator importante na adesão do parasita à célula / fonte: Torrecilhas et al (2012) Microbes Infect 14, 1465

Através das pesquisas foi possível demonstrar que uma proteína recombinante do grupo das Tc-85 se liga a diferentes moléculas da célula hospedeira, incluindo laminina, proteína que faz parte da chamada matriz extracelular. A descrição sobre a ligação do parasita à laminina realizada pelo laboratório foi pioneira na área.

 

Projetos recentes

Sabendo que o parasita interage com diferentes moléculas da matriz extracelular, Maria Júlia busca responder algumas perguntas que ainda se encontram em aberto: “Qual a resposta do parasita quando interage com essas moléculas? Quais as vias de sinalização da célula que ele aciona e com qual finalidade?”.

Uma das maneiras iniciais de se observar tais questões é identificar as proteínas que são modificadas em resposta a determinado sinal, procedimento conhecido como modificação pós-traducional. “Estudamos as modificações por fosforilação [adição de um grupo fosfato a uma molécula] e as decorrentes da presença de óxido nítrico e seus derivados reativos”. Dessa forma, busca-se compreender o significado dessas modificações: “Seria um sinal que leva ao preparo do parasita para uma ‘vida’ intracelular? É o que estamos tentando descobrir”.

Maria Julia ainda pretende se dedicar por no mínimo mais cinco anos aos estudos no laboratório e as aulas no departamento. “No momento não sei se gostaria de seguir após esses cinco anos. Quem sabe? Novas perguntas podem surgir a qualquer momento.” A professora entende que sua pesquisa tem grande importância para a evolução no entendimento da atuação de T. cruzi no organismo, suas interações com as células e ações no hospedeiro. “Esperamos que o que está sendo demonstrado por nós, agora, possa auxiliar outros pesquisadores a responderem suas próprias perguntas”.

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