Barreiras de transporte controlam caos na interação onda-partícula

Acelerador convencional LAMFI (Laboratório de Análises de Materiais por Feixes Iônicos), localizado no IF-USP. (Imagem: Portal IF-USP)

Aceleradores de partículas são equipamentos de pesquisa e produzem fluxos de partículas que seguem direções determinadas de acordo com suas configurações. Mudanças no processo podem gerar um comportamento caótico dessas partículas e implicar em um maior gasto energético ou em danos físicos nos equipamentos. Um método, que implementa uma barreira de transporte no sistema, impede a movimentação das partículas em locais não desejados e surge como um dos mecanismos para conter o caos. A descoberta é fruto de um estudo de pós-doutorado, em andamento no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), que analisa o comportamento dos feixes de partículas em aceleradores de plasma e busca criar métodos que melhorem a aceleração do sistema.

Diferenciando os tipos de aceleradores

Os aceleradores de partícula convencionais, cujo mais conhecido representante é o LHC (sigla em inglês para Grande Colisor de Hádrons), possuem limites de aceleração das partículas, uma vez que valores muito elevados de campo elétrico implicam em danos no equipamento. “A limitação dos aceleradores convencionais faz com que sejam necessárias grandes estruturas. Precisamos de aceleradores de longo comprimento para possibilitar o fornecimento de mais energia e velocidades mais elevadas”, explica a pós-doutoranda responsável pela pesquisa, Meirielen Caetano de Sousa.

Os aceleradores de laser-plasma conseguem sustentar campos elétricos e magnéticos mais fortes, acelerando as partículas e fornecendo energia em um espaço muito menor que os convencionais. Seu funcionamento se dá por pulsos de laser que criam ondas de plasma e aceleram as partículas. O plasma é considerado o “quarto estado da matéria” e é obtido pelo superaquecimento dos gases, o que causa o rompimento de suas moléculas. “Acreditamos que com os aceleradores de plasma conseguiríamos reduzir o tamanho da maioria dos aceleradores convencionais em pelo menos 100 vezes”, conta Meirielen.

Os benefícios do uso dos aceleradores de plasma incluem uma redução de gastos com a construção e manutenção do equipamento e uma maior facilidade de manipulação do mesmo. “Reduzir o tamanho do equipamento implica na diminuição de custos”, reforça a pesquisadora. “No entanto, a tecnologia dos aceleradores de plasma ainda está em desenvolvimento, então os que existem são apenas em centros de pesquisa e laboratórios, ainda não comercializados”.

Mecanismos para evitar o caos

Diferente do que alguns podem pensar, o caos não é resultado do excesso de energia. Meirielen explica que as partículas interagem com os campos elétricos e magnéticos para serem aceleradas. Assim, dependendo da configuração desses campos e da condição inicial das partículas, elas podem se comportar de forma caótica. “É o próprio processo de aceleração de partículas que pode acabar fazendo com que elas se comportem de forma caótica”.

É na tentativa de criar mecanismos que controlem o caos e permitam atingir maior velocidade das partículas que o estudo analisa o comportamento dos feixes dentro dos aceleradores. Tais métodos precisam ser viáveis, ou seja, a implementação deles não pode ser difícil, nem gastar energia em excesso. “Para um feixe de partículas ser eficiente, precisamos que todas as partículas dentro do acelerador tenham a mesma velocidade, a mesma energia e cheguem no lugar determinado no tempo certo”, complementa Meirielen.

Em abril, um artigo sobre um desses mecanismos foi publicado na Physics of Plasmas, revista científica de pesquisas da área da física de plasmas. O mecanismo em questão já foi testado experimentalmente em Tokamaks, reatores de fusão nuclear, mas o estudo está ainda no campo teórico, com modelos matemáticos e simulações numéricas. O método propõe a criação de uma barreira de transporte robusta, que funciona como uma maneira de impedir que as partículas consigam ir de uma região à outra. Tal barreira, por ser única, permite a determinação da exata localização em que será colocada e, assim, sua manipulação possibilita um aumento da aceleração das partículas na região desejada.

O modelo matemático mostrou que a introdução dessa barreira funcionaria bem e cumpriria a função de controlar o caos e melhorar a aceleração do sistema, mas ainda é necessária a aplicação experimental nos aceleradores de partículas. “Aqui na USP, continuarei fazendo o trabalho teórico, já que não temos um acelerador de plasma. Existem algumas ideias de outros métodos que talvez possamos implementar no acelerador de partículas com essa mesma finalidade. Então, continuarei trabalhando com a análise do comportamento dos feixes de partículas em aceleradores de plasma”, afirma Meirielen.

Os aceleradores e suas promissoras aplicações

Uma pesquisa como a de Meirielen contribui na tentativa de otimizar a utilização dos aceleradores de partículas, buscando torná-los menos custosos e mais presentes em espaços que não os laboratoriais. A pesquisadora conta que as aplicações mais prósperas estão na área da saúde: “hoje em dia, os aceleradores são bastante utilizados para esterilização de instrumentos médicos e têm a vantagem de esterilizar sem aquecer, o que permite a esterilização de materiais plásticos, por exemplo”.

O diagnóstico e o tratamento de câncer também podem se beneficiar dos aceleradores de partículas. Meirielen explica que a ingestão de pequenas quantidades de radioisótopos, substâncias radioativas que podem ser produzidas pelos aceleradores, faz com que as células cancerígenas sejam identificadas em exames de diagnóstico. Além disso, existe a possibilidade de utilização do feixe de partículas no tratamento dos tumores, de modo com que as células saudáveis não sejam afetadas, uma vez que é possível programar com precisão o local.

“Um dos principais usos dos aceleradores”, conta Meirielen, “se dá na indústria eletrônica, que usa os equipamentos para mudar propriedades dos semicondutores, por exemplo”. É possível utilizar os feixes de partículas para modificar propriedades de materiais muito usados nos dispositivos eletrônicos, o que gera lucros. Por essa área industrial movimentar muito dinheiro, o uso dos aceleradores se torna possível e as pesquisas envolvendo os equipamentos são frequentes.

A pós-doutoranda afirma que os estudos são muito variados: “existem pesquisadores que trabalham buscando desenvolver materiais melhores, mais energia às partículas em um menor espaço; outros buscam materiais mais resistentes, que não precisam ser repostos com tanta frequência. Também há pesquisas tentando desenvolver os aceleradores de plasma, que permitem a redução do tamanho do equipamento”. O último exemplo é o que motiva Meirielen, junto à possibilidade de desenvolvimento de outros métodos de controle do caos.

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