Proteína hevina reverte declínio cognitivo associado ao envelhecimento

Pesquisadores da USP e da UFRJ identificam que molécula aumenta a quantidade de conexões neurais e melhora a memória e o aprendizado

Hevina, uma glicoproteína, é a responsável pela “ponte” que há entre neurônios, processo mediado por uma célula suporte chamada astrócito [Imagem: Reprodução/Felipe Cabral-Miranda e Ana Paula Bergamo Araujo]

A perda de memória, a confusão mental e a dificuldade de realizar tarefas simples podem aparecer com o avanço da idade. E quando intensificadas, essas alterações cognitivas podem indicar quadros de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 50 milhões de pessoas possuem a doença e estima-se que mais de 152 milhões de pessoas vivam com algum tipo de demência.

Com a co-autoria do professor Danilo Medinas, do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), e com o apoio de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o estudo Hevin/SPARCL-1 astrocítico regula o declínio cognitivo no envelhecimento cerebral patológico e normal (2025), publicada recentemente na revista Aging Cell, propõe um olhar inovador sobre as moléculas que regulam o declínio cognitivo. A pesquisa investiga a ação da proteína hevina,  secretada por astrócitos (células cerebrais que atuam no suporte e na regulação das funções neuronais), como agente estabilizador das sinapses e potencial alvo terapêutico para o envelhecimento cerebral, tanto em contextos normais quanto patológicos.

Essencial para a função cognitiva, a comunicação sináptica é responsável pelo processamento de informações pelo cérebro. “A atividade cognitiva depende de sinais dentro de um circuito celular, formados por neurônios conectados. A hevina é uma proteína extracelular que dá suporte aos terminais nervosos. Os neurônios possuem estruturas especializadas, chamadas sinapses, que promovem a comunicação entre uma célula e outra”, explica Medinas.

Camundongos foram utilizados por apresentarem estruturas cerebrais e padrões de memória similares aos humanos [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
A pesquisa foi conduzida com experimentos in vivo (em seres vivos) e in vitro (artificialmente), utilizando camundongos como modelo animal. De acordo com Medinas, o camundongo é um mamífero que tem estruturas cerebrais e circuitos neurais que processam informação de memória de maneira similar ao ser humano. Em um dos testes, os animais foram colocados em um labirinto com estímulos sonoros, simulando situações de estresse. O tempo que levavam para encontrar a saída era registrado como indicativo da capacidade de aprendizagem e consolidação da memória.

Os resultados mostraram que a superexpressão da proteína hevina atenuou significativamente o declínio cognitivo. A intervenção aumentou a quantidade de marcadores pré e pós-sinápticos, além de alterar a expressão de mediadores sinápticos. “Seja com o passar do tempo, seja por danos cumulativos, como traumas ou lesões nos vasos cerebrais, o número e a forma de sinapses decaem. Estratégias que promovem ou estabilizam sinapses têm o potencial de frear ou reverter o declínio cognitivo”, aponta o professor.

Dois lados da gangorra

No cérebro, as conexões sinápticas precisam ser ajustadas com precisão. Conexões de menos podem comprometer a memória, enquanto em excesso podem resultar em desorganização do circuito neural. A proteína hevina atua positivamente na estabilização das sinapses, enquanto a proteína SPARC exerce efeito inibitório. “Existe um balanço delicado no nosso cérebro. Muitas conexões também podem ser inadequadas. Se forem excessivas, o sistema entra em curto-circuito”, explica Medinas.

Os astrócitos influenciam a formação, manutenção e poda das sinapses e também oferecem neuroproteção aos neurônios. Sua atuação impacta diretamente na capacidade do cérebro de se adaptar, moldar-se e responder a estímulos ao longo do tempo, conceito conhecido como plasticidade neural.

O pioneirismo em caracterizar atuação da hevina astrocítica também revelou que a molécula é capaz de induzir o desenvolvimento de sinapses estruturalmente formadas, mesmo que, inicialmente, funcionem como sinapses “silenciosas”. Ao interagir com outras moléculas e receptores, essas estruturas podem ganhar funcionalidade, reforçando os circuitos neuronais. Nos casos de Alzheimer, os níveis de hevina caem, o que possivelmente predispõe o paciente à perder sinapses.

Aplicabilidade clínica e terapêutica

O Alzheimer, demência mais comum no mundo, é marcado pela perda neuronal, redução das sinapses e acúmulo de duas proteínas tóxicas: o peptídeo beta-amiloide (Aβ) e a tau hiperfosforilada, que formam placas e emaranhados neurofibrilares no cérebro. A doença também compromete a plasticidade neural, levando ao esquecimento de informações de curto prazo.

A maioria dos estudos de desenvolvimento de terapias que já chegaram aos pacientes de Alzheimer têm como foco o combate ao acúmulo das proteínas tóxicas. Assim, estratégias que busquem combater outras características patológicas, como a perda de sinapses, tem o potencial de atuar de maneira complementar com os tratamentos disponíveis.

A morfologia neuronal de um paciente com Alzheimer sofre alterações devido à toxicidade de moléculas como a tau hiperfosforilada [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Frente a uma sociedade ainda mais suscetível ao declínio cognitivo, o estudo sugere caminhos terapêuticos baseados na estabilização da proteína hevina no organismo. A aplicação clínica mais viável, segundo o pesquisador, é associada a estratégias de terapia gênica ou à formulação de moléculas que aumentem a durabilidade da proteína no cérebro. “A estratégia mais viável seria desenhar uma molécula que consiga estabilizar a hevina no cérebro, fazendo com que seus efeitos nas sinapses durem mais.”

Para o professor, o estudo busca desvendar aspectos do mecanismo básico das doenças cognitivas. Ainda em estágio pré-clínico, a pesquisa é promissora não somente por avançar sobre o entendimento e as funcionalidades dos astrócitos, mas também por oferecer possibilidades de futuras abordagens clínicas no tratamento e na prevenção de doenças neurodegenerativas como o Alzheimer.

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