
O projeto SideSeeing está sendo desenvolvido e testado pela utilização da visão computacional e aprendizado de máquina para levantar informações ligadas à acessibilidade urbana. O objetivo é tornar as cidades mais inclusivas e embasar decisões públicas, com foco inicial em regiões do Brasil e dos Estados Unidos. A Agência Universitária de Notícias (AUN) entrevistou um dos líderes da pesquisa, Roberto Marcondes, professor livre docente do Instituto de Matemática e Estatística da USP (IME) para compreender melhor o conteúdo e andamento deste estudo.
Marcondes explica que a ideia do SideSeeing nasceu da necessidade de entender as cidades a partir do ponto de vista do pedestre. Por meio de ferramentas acessíveis, como o smartphone, é feita a captura de dados com imagens de satélite sobre calçadas, fachadas, vegetação e tudo que impacta a experiência de quem se move a pé. A plataforma, então, transforma os registros em informações úteis para tomada de decisões da gestão local.
O sistema do SideSeeing é dividido em seis módulos interligados. O ponto de partida é a coleta de dados multimodais. Marcondes detalha que houve o desenvolvimento de um aplicativo que roda no celular e permite adquirir vídeo, áudio e sensores como acelerômetros, giroscópios e magnetômetros. A ferramenta também coleta informações sobre redes Wi-Fi para gerar um conjunto bruto de material sobre o ambiente urbano.
A preocupação com a qualidade e a organização é central. O projeto investe na criação de uma estrutura para armazenar os chamados datasets que garante a exportação e transmissão eficientes para as etapas seguintes, que envolvem a modelagem matemática e o uso de software livre. Quanto à forma que as informações são adquiridas por meio do usuário, foi feito um colete no qual ele próprio pode vestir para colocar o smartphone e iniciar o processo.
O SideSeeing está sendo trabalhado em uma abordagem global. Está sendo testado em regiões do Brasil (como Jundiaí e Santos) e dos Estados Unidos, com colaboração de professores de universidades em Chicago, Califórnia, Pequim e Carolina do Norte. “Nosso objetivo é treinar o algoritmo em diferentes áreas para que ele tenha um funcionamento razoavelmente bom em diversos contextos”, explica o professor.
O pesquisador aponta as diferenças históricas e estruturais das cidades como um desafio para a análise das ruas. “A diversidade é linda, mas exige que nossa tecnologia seja flexível o suficiente para lidar com as particularidades de cada local”, comenta. Ele também menciona as dificuldades climáticas que afetam o estado das calçadas e o contato com organizações que tenham interesse no projeto.
Impacto social
As aplicações do SideSeeing podem ajudar no desenvolvimento de políticas públicas. Há possibilidades da produção de um levantamento completo de bairros para planejar asfaltamento, reformas, arvoramento e pontos de acessibilidade que precisam de intervenção. Marcondes também destaca o mapeamento de regiões próximas a hospitais e escolas para garantir que essas áreas prioritárias sejam mais bem atendidas.
O diferencial do projeto está principalmente em sua proposta de tecnologia barata e acessível que pode ser usada pelos próprios cidadãos para organizar e cobrar a gestão pública. “Se um grupo da população pode mapear o bairro em alguns dias para pressionar uma prefeitura, há um ganho de produtividade enorme”, reforça o cientista, que também afirma como a tecnologia pode ser “parte da solução” para os problemas da sociedade.
O SideSeeing ainda não conta com resultados práticos por se tratar de uma tecnologia complexa que leva meses ou anos para ser refinada. Há planos de tornar o aplicativo público e os próximos passos consistem no foco da análise de dados e exploração de novas aplicações. O cuidado com a privacidade do usuário é um dos aspectos que está sendo mais estudado. Em andamento, há testes sendo feitos no Rio Grande do Sul para mapear as regiões mais prejudicadas das cidades que foram atingidas pelas recentes inundações. Segundo Marcondes, o suporte para pessoas em crises de emergência climática será um novo direcionamento importante do SideSeeing.
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