Em setembro de 2024, o Metrô de São Paulo completou meio século de operação, desde sua viagem inaugural na Linha 1-Azul, entre as estações Jabaquara e Vila Mariana. Ao longo desse período, 33,6 bilhões de passageiros utilizaram a rede, que continua a ser uma alternativa vital para a mobilidade na cidade.
Estes números, de levantamento do G1, levam em conta a movimentação nas linhas 1-Azul, 2-Verde, 3-Vermelha e 15-Prata, ainda administradas pelo Metrô, além da Linha 5-Lilás, que foi operada pela Companhia entre 2002 e 2018, antes de ser concedida à iniciativa privada.
O marco histórico, porém, levanta questionamentos sobre o futuro do transporte público na capital, especialmente diante dos desafios ambientais e do trânsito caótico. Para pesquisadores e urbanistas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a priorização do transporte sobre trilhos é central à sustentabilidade urbana e à redução nas emissões de poluentes.
Raquel Rolnik, professora e prefeita do campus USP do Butantã, enfatizou no artigo Cidade poluidora, clima urgente: o enfrentamento da poluição do ar em plena crise climática em São Paulo, publicado pelo LabCidade, Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da FAU, que “a única maneira viável de enfrentar a crise climática e os desafios de mobilidade é investir nos sistemas de transporte sobre trilhos.” Segundo ela, o problema central das emissões que agravam o efeito estufa está na “queima de combustíveis fósseis por veículos motorizados,” mas mesmo os carros elétricos e ônibus não eliminam o problema, pois “a fricção dos pneus no asfalto ainda libera material particulado na atmosfera.”
Daniel Santini, coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo, mestre e doutorando pela FAU, chama atenção para as recentes mudanças nas diretrizes de uso do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que priorizam obras rodoviaristas em detrimento de soluções voltadas para o transporte público eficiente. Em seu artigo Sobre asfalto e pontes: o rodoviarismo no Fundurb, ele alerta para a descaracterização de regras estabelecidas no Plano Diretor Estratégico de São Paulo, que preveem o alocamento de fundos obtidos pelas outorgas onerosas da cidade para mobilidade ativa e habitação. Essa mudança ocorreu em 2019, quando um substitutivo ao Projeto de Lei nº 513/2019 foi promulgado como Lei nº 17.217/2019, e incluiu a possibilidade de gastos em “implantação e realização de melhorias nas vias estruturais”.
A nova redação vigorou até 2022, quando foi considerada ilegal, mas foi novamente implantada em março de 2023, a partir do Projeto de Lei nº 115/2023, e segue em vigor desde então. Ele argumenta que “as mudanças não apenas representam um retrocesso em um momento em que a cidade necessita de transformação em sua abordagem de mobilidade sustentável, mas também agrava os problemas de poluição e saúde pública.” Segundo ele, essas alterações priorizaram obras viárias, como asfaltamento e alargamento de vias. “A legislação federal prevê que os recursos públicos devem ser destinados ao transporte público coletivo e à mobilidade ativa, mas o que se vê são recursos do Fundurb sendo usados para recapeamento e alargamento de avenidas.”
Para o pesquisador, essas medidas não só contrariam o princípio legal de priorização da mobilidade não motorizada e transporte coletivo, mas também são pouco eficientes para solucionar o problema do trânsito na cidade. “Ao contrário do senso comum, piora o trânsito. Quando crio mais estrutura para carros e motos, vou ter mais carros e motos circulando. Isso gera um efeito que parece um contrassenso, mas, quanto mais espaço para carros, temos mais carros e o trânsito piora, não melhora. A melhor solução para congestionamentos é fortalecer o transporte público coletivo, preferencialmente transporte sobre trilhos. Não dá para ignorar que a melhor maneira de deslocar milhares de pessoas são os sistemas sobre trilhos, inclusive em termos ambientais ecológicos de uso de energia.”
Quanto à possibilidade de melhoria na eficiência do sistema sobre trilhos, Santini acrescentou que “a solução passa por um planejamento metropolitano mais amplo e pela redução da dependência de rodovias.” O pesquisador defende a necessidade de expandir e integrar as redes de trilhos na cidade para oferecer uma alternativa real ao transporte rodoviário e melhorar a eficiência no deslocamento de pessoas. Além disso, Santini também alerta que decisões políticas que priorizam o rodoviarismo “não devem ser aceitas passivamente como meras soluções técnicas.”
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