
Relativo ao Brasil, dados do Boletim Epidemiológico HIV/AIDS de 2021 da Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS) apontou aumento de 12,9% de casos notificados de aids em pessoas negras, enquanto no mesmo período houve uma queda de 9,8% na população declarada branca. Já em relação às pessoas trans, dados de 2019, também da Unaids, mostram que esse grupo tem 12 vezes mais chances de infecção pelo HIV do que a população em geral. Em resultados levantados do estudo da TransOdara entre 2019 a 2021, das 403 mulheres trans e travestis recrutadas e entrevistadas no Estado de São Paulo, 27,59% (48) deram positivo para o teste de HIV.
De acordo com os dados pode-se afirmar que existe uma razão social que faz com que a epidemia de Aids, que se iniciou globalmente nos anos 70 e 80, ainda seja considerada um problema de saúde pública.
Existe uma meta global determinada pela Unaids, denominada 95-95-95, com o objetivo de alcançar 95% das pessoas que vivem com HIV diagnosticadas, 95% dessas diagnosticadas em tratamento e, entre as pessoas em tratamento, 95% com carga viral abaixo do detectável. O Brasil é um dos países que assumiu esse compromisso, mas para isso ele terá que levar em consideração esses outros fatores sociais que o impedem de atingir o objetivo.
A professora Lucia Izumi, que mantém sua linha de pesquisa na vulnerabilidade às doenças sexualmente transmissíveis, no Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EE-USP – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, enfatiza: “Além da meta de 95-95-95 a gente também tem que incluir a meta de discriminação zero, de trazer todos para dentro dos serviços. Isso significa uma mudança importante nas políticas públicas, ao incluir e buscar essas populações em seus territórios e ampliar esses acessos. Faz parte da nossa responsabilidade e competência de serviço e política, ir atrás dessas pessoas.”
Lucia Izumi está a frente do projeto de pesquisa financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que leva o título #partiuprevperifa – Implementação de Políticas Públicas de Prevenção das Infecções sexualmente transmissíveis. O projeto se encontra dentro de um edital específico de programas de pesquisa de políticas públicas, com uma equipe de pesquisadores e agentes dos próprios municípios, oferecendo nos territórios possibilidades de testagem dos vírus HIV e sífilis, distribuição de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), além de esclarecer as dúvidas que surgirem.
“No projeto, pensamos em 25 municípios do Estado de São Paulo, identificados por suas necessidades. Fazemos um mapeamento do território para ver onde vamos instalar, como se fossem estações de prevenção. Em horários noturnos, aos fins de semana, em localidades como na rua, em frente ao bar, em festas populares”, explica.
A pesquisadora diz que o projeto foi muito bem recebido pelos dois municípios onde já foi implantado. Foram identificados testes positivos tanto para o HIV quanto para a sífilis, havendo também a vinculação dessas pessoas aos serviços de saúde.
Como a pesquisa é de implementação, um de seus objetivos — e questão muito importante, de acordo com a doutora — é torná-la sustentável, pois, quando o projeto se encerra fica a cargo do município assumi-lo ou não.
“Temos alguns municípios que estão fazendo dessa forma, que o instituíram como política pública, então isso já nos indica que é possível a sustentabilidade desse projeto”, explica Lucia. “Mas cabe a nós, pesquisadores, identificar que barreiras e facilitadores são esses colocados, e apresentar isso aos gestores municipais, para que possam conhecer melhor o projeto”, complementa.
Em relação a alta taxa de infecção dentro da comunidade trans, a professora reforça a importância desse tema, que nomeia como ‘transversal’, pois atravessa a todos. Ela concorda que há dificuldades de acesso relacionadas ao preconceito e também uma dificuldade no manejo dos profissionais.
“O preconceito tem que ser reconhecido e enfrentado, os serviços têm que se organizar de tal maneira que seja acolhedor para as necessidades que essas pessoas nos trazem”, opina. Ela defende que esse desafio pode ser enfrentado, e para isso tem que haver debates nas universidades juntamente com os serviços de saúde, para entender a situação e efetivamente aplicar ações concretas. “Mudanças de políticas públicas e universitárias, estamos encaminhando nessa direção”, concluiu.
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