O acervo na palma da mão: Museu de Arqueologia e Etnologia amplia acesso ao acervo com produção de miniaturas

Projeto de reprodução do patrimônio do instituto pode democratizar conhecimentos arqueológicos com tecnologia 3D

Dos achados arqueológicos mais importantes e famosos, Luzia é o nome dado ao fóssil mais antigo já encontrado nas Américas - Imagem: Reprodução/LAAAE–MAE

Um projeto de extensão do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP busca democratizar o acesso ao seu acervo por meio de miniaturas em três dimensões. Chamado Arqueologia em Miniatura – O Acervo da USP na Palma da sua Mão, as peças, feitas com resina, são geradas através de tomografias dos originais pertencentes à unidade.

Em entrevista à Agência Universitária de Notícias (AUN), o professor André Menezes Strauss, coordenador do Laboratório de Arqueologia e Antropologia Ambiental e Evolutiva (LAAAE) do MAE, relata que uma das motivações do projeto é ampliar a visualização do acervo, para além do que está em exposição. “Um Museu como esse tem grande parte das coleções guardadas no que chamamos de reserva técnica. Essas miniaturas ajudam a mostrar ao público mais do que é exposto”, diz.

Segundo Strauss, as escolas têm o maior potencial de utilização dessas reproduções. Para ele, o uso pedagógico delas permite aos alunos ver esculturas e outros objetos que antes só eram citados pelos professores nas salas de aula. Conforme explícito na descrição do projeto, a prototipagem tridimensional também “permite variar dimensões e estilos das peças, tornando-as lúdicas e de interesse dos alunos”, especialmente das crianças.

De fato, atualmente, pesquisas na área da educação confirmam que a combinação de diferentes sentidos e métodos é das mais eficientes técnicas de estudo, como  Benedict Carey, relata em seu livro Como Aprendemos: a surpreendente verdade sobre quando, como e por que o aprendizado acontece.

Mas a esfera lúdica do aprendizado não se restringe aos mais jovens. Luana Caroline Nicolau, graduanda em história e membro do LAAAE, ressalta que ter cópias dos bens do acervo pode permitir que, por exemplo, pessoas cegas e com baixa visão tenham contato mais profundo com as exposições por meio do tato – uma alternativa àqueles que até então não poderiam aproveitar as visitas ao Museu. Alternativas como essa são um passo na desconstrução do capacitismo já adotadas por outros museus, inclusive no Brasil, como o Museu do Ipiranga, também pertencente à USP, desde sua reabertura em 2022.

Reproduzir o acervo em miniaturas permite às pessoas com deficiência visual conhecê-las mais intimamente, como nessas amostras de tecido e cerâmica reproduzidas no Museu do Ipiranga da USP – Imagens: Acervo Pessoal/João Victor Vilasbôas

A gênese da reprodução

De acordo com Luana, dado o grande acervo do MAE – que tem coleções de sociedades de diversos lugares do mundo – escolher por qual delas começar as reproduções foi de grande importância. “Escolhemos iniciar com a arqueologia brasileira, mas dentro dessa área de estudo é possível fazer recortes temáticos, como o da arqueologia amazônica”, conta.

Segundo ela, os alunos e doutorandos do laboratório decidiram começar as miniaturas justamente pelas coleções amazônidas, em especial as das culturas tapajônica e marajoara. “Além de termos uma grande quantidade de objetos dessas culturas, as peças têm um estado de conservação muito bom, cores fortes, vivas, são muito bonitas”, descreve.

Luana explica que, às tardes de quarta-feira, semanalmente, os itens escolhidos pela equipe do projeto são retirados da reserva técnica e levados a um tomógrafo do Hospital Universitário (HU), parceiro do MAE no projeto. Segundo ela, “com todos os cuidados de proteção que essas raridades arqueológicas exigem, levamos as peças ao HU no veículo do Museu, tomografamos cada uma e, em seguida, elas voltam direto para a reserva”. E acrescenta: “A cada sessão levamos cerca de 20 a 30 itens do acervo”.

Miniatura de Muiraquitã produzida em impressora 3D – Imagem: Reprodução/LAAAE

Com as tomografias feitas, o processo continua nos computadores do LAAAE, onde é feito download das imagens. Em seguida, elas são adicionadas a um software que processa as imagens de cada objeto para gerar a versão própria para impressão em três dimensões. Nicolau ressalta que o Laboratório já contava com um projeto de tomografias do acervo. “Há mais de dez anos já fazíamos esse processo para digitalizar algumas peças, mas antes das miniaturas, a maioria dos objetos que iam ao HU eram remanescentes humanos”, relembra. “Somente em 2019 começamos a levar itens produzidos a partir de outros materiais, o que nos permitiu imprimir miniaturas”, diz.

Ela ressalta que nem todos os objetos que vão ser tomografados vão, necessariamente, virar miniaturas. “Todo o material levado ao HU, com autorização do MAE, é selecionado de acordo com necessidades e urgências do Museu. Muitas vezes, professores e pesquisadores de outros laboratórios precisam de versões digitais de algumas peças e isso é levado em consideração”, afirma.  Quanto às peças que são reproduzidas na impressora, ela explica que podem ser feitas mais de uma miniatura de cada objeto. “Testamos até encontrar o tamanho ideal para reproduzir os detalhes de cada objeto, as cores, por exemplo”, explica.

Segundo o catálogo do projeto, para reproduzir essa estátua masculina da cultura tapajônica, possivelmente um Xamã, são necessários 100mL de resina para reduzir seu tamanho em cinco vezes – Imagem: Reprodução/LAAAE

Da curiosidade ao aprendizado

Luana conta que, apesar de o projeto de miniaturas ter começado formalmente em 2023, já foi possível utilizá-las fora do Laboratório. “Alunos e pesquisadores membros do LAAAE, eu inclusive, já levaram as peças em algumas escolas e pudemos ver de perto como o interesse dos estudantes cresce ao ver e tocar esses objetos em aula”, afirma.

Ela relata que a participação dos alunos é grande independentemente da idade. “Das crianças menores aos adolescentes, todos ficam fascinados. É um dos meus pontos prediletos desse projeto”, diz. Luana ainda explica que os alunos do Laboratório estão na fase de desenvolvimento catálogos dos itens reproduzidos, com informações sobre os originais do acervo. “Esses catálogos poderão ser usados junto às peças em escolas”, relata.

Para além das reproduções em 3D, outra ação da equipe comandada pelo professor Strauss envolve as imagens geradas pelo tomógrafo. “Nós disponibilizamos as fotografias das peças no portal Wikimedia Commons”, explica Nicolau. Segundo ela, a prática é importante pois permite que outros pesquisadores e interessados possam ver imagens detalhadas e de boa qualidade do acervo. Porém, ressalva: “Nem todos os objetos tomografados têm as imagens disponíveis no portal. Os itens do sítio arqueológico de Lapa do Santo, estudado há anos pelo professor Strauss, estão lá e são sempre atualizados”. Segundo Luana, a publicação de imagens de peças sob responsabilidade de outros laboratórios e pesquisadores do Museu depende de autorizações de outras áreas da unidade.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*