Radiotelescópio Bingo avança apesar de entraves financeiros e compõe projeto de integração regional

Elcio Abdalla, coordenador geral do projeto, discute os desafios enfrentados e os impactos científicos esperados

Estrutura do Bingo é equivalente ao estádio do Maracanã e somente a antena parabólica de espelhos tem tamanho aproximado a um campo de futebol [Imagem: Reprodução/Governo da Paraíba]

O Radiotelescópio Bingo, resultado de colaboração multinacional, é liderado por pesquisadores brasileiros, com destaque para o Instituto de Física (IF) da USP, e que visa estudar as oscilações acústicas de bárion (BAO) por meio de ondas de rádio. Em 2016, começaram as pesquisas para a construção do projeto no sertão da Paraíba, mas desde então o aspecto material da iniciativa sofreu atrasos relacionados a questões burocráticas e de verba.

As BAOs são ondas originadas pela interação dos átomos com a radiação do início do Universo e através delas é possível medir a distribuição de hidrogênio neutro em distâncias cosmológicas por meio da técnica de mapeamento de intensidade. Com isso, é possível medir a matéria/energia escura de determinadas regiões do espaço sideral e a sua taxa de expansão. 

Elcio Abdalla, coordenador geral do projeto e professor titular no IF, destacou dois aportes expressivos do projeto: o da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do governo da Paraíba. Este último foi destinado aos pesquisadores chineses, que por meio dos desenhos enviados fabricaram peças para o radiotelescópio, mas por conta do fim da cota de importações, no ano passado, ainda não chegaram ao Brasil. 

“Temos 30 containers na China esperando o despacho há seis meses e outra questão é que o segundo aporte da FINEP, que já foi aprovado e há bem mais de seis meses, está por vir e ainda não chegou”, diz o professor. Em seguida complementa que o projeto não ficou parado, os pesquisadores continuaram seus estudos teóricos na definição dos formatos do telescópio e dos resultados esperados.

Além disso, Abdalla expõe as transformações do espaço paraibano destinado ao Bingo: “Temos a casa de comando, os geradores de energia e toda a preparação do terreno para receber o material metálico, que são as estruturas que vão sustentar as cornetas”. Segundo o físico, metade das cornetas estão na Paraíba, duas no IF e mais algumas no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Essa separação ocorre pela falta de verba por parte da FINEP para o translado dos equipamentos. 

Na sala de Abdalla há o primeiro phased array a ser instalado – equipamento da categoria de ensaios não destrutivos por ultrassom que gera imagens detalhadas e de alta qualidade voltadas para o sensoriamento remoto do projeto [Imagem: Aline Noronha/Arquivo Pessoal]
“A questão toda é financeira para a gente colocar a estrutura no lugar. Isto vai levar ainda mais quatro ou cinco meses”, afirma o coordenador geral. Abdalla destaca como o governo federal pode afetar o ritmo do trabalho, por exemplo, durante o governo Bolsonaro, a maior parte da verba foi cortada e só recuperada, parcialmente, próximo ao fim do mandato. 

Em 2023, o acordo de cooperação assinado entre os presidentes Lula e Xi Jinping, da China, abrangeu o Bingo e aumentou tanto a visibilidade internacional quanto nacional do radiotelescópio. O artigo 33 prevê o auxílio dos países para a aceleração das pesquisas e do desenvolvimento de programas especiais, destacando, os estudos voltados à matéria escura, que é o objetivo primário do projeto brasileiro.

Integração paraibana e futuro do Bingo

Para além do campo científico, o projeto faz parte de um processo de integração regional do sertão paraibano. Na cidade de Sousa terá um museu de paleontologia, haja vista que o lugar abriga o maior conjunto de pegadas de dinossauros da América Latina e lá cientistas encontraram um fóssil. Além disso, em Cajazeiras coletaram amostras arqueológicas que vieram de um desvio do rio São Francisco e será construído um museu também. Enquanto o radiotelescópio fica na Serra do Urubu, em Aguiar.


Para o coordenador geral, o que é pretendido pelos idealizadores do projeto é muito maior do que o telescópio em termos sociais [Imagem: Reprodução/Google Maps]
“A ideia dele [do governador da Paraíba] é [construir um caminho] da história do universo, da formação do planeta e do homem”, afirma o professor, o que estimulará o turismo científico na região, fortalecendo as economias locais. Em Aguiar, a ideia é formar a “cidade da astronomia”, para isso, Abdalla sugeriu a criação de uma escola de ciências para bacharéis e licenciados para levar o conhecimento da região a outros lugares.

O final da construção do radiotelescópio ainda é incerto, o professor destaca que a previsão inicial é de cinco anos. “Esse é um projeto de longo prazo que a gente espera que esteja ativo pelos próximos 20 anos”, destaca. Isso se dá, sobretudo, em função dos resultados secundários que poderão ser estudados que vão além da observação da matéria/energia escura e o estudo da expansão do universo.

“Se você faz uma coisa importante, facilmente faz outra maior”, afirma Abdalla e diz que a segunda parte do projeto poderá contribuir em estudos como o mapeamento de monóxido de carbono no espaço, observações de pulsares, Fast Radio Bursts (rajadas rápidas de rádio) e na química celeste. “Você faz uma coisa e acaba descobrindo outras que às vezes não estão nem relacionadas, que você nem pensaria”, complementa.

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