Cientistas utilizam inteligência artificial para testar teoria das cordas

Estudos demonstram viabilidade do uso das redes neurais para aproximar a teoria das cordas ao Modelo Padrão da Física de Partículas

Representação artística do Universo formado for filamentos, como proposto pela teoria das cordas [Reprodução: Dianaarturovna / iStock / Getty Images Plus]

Uma das forças motrizes do desenvolvimento da física é a ideia de unificação: encontrar uma única teoria capaz de descrever todos os fenômenos naturais.

Segundo Eduardo Tremea Casali, professor do Departamento de Física Matemática do Instituto de Física da USP (IF), o Modelo Padrão da Física de Partículas (MPFP), apesar da consistência interna e do sucesso experimental, “ainda apresenta uma série de lacunas, como a não incorporação da gravidade. 

A teoria das cordas surge, no final da década de 1960, ponderando sobre isso. Ela substitui a ideia do MPFP de partículas pontuais por cordas ainda menores. “As diferentes vibrações das cordas correspondem às diferenças [de massa, de carga e outras propriedades] entre as partículas que conhecemos”, explica o professor. 

Representação artística do Universo formado for filamentos, como proposto pela teoria das cordas [Reprodução: Dianaarturovna / iStock / Getty Images Plus]
A teoria fornece uma descrição quântica matematicamente unificada da gravitação, do eletromagnetismo e das forças nucleares. Entretanto, por ser extremamente complexa, apresenta um desafio quando se trata de falseabilidade. Segundo Casali, as energias necessárias para testá-la estão muito além do alcance dos aceleradores de partículas atuais. “A teoria postula a existência de dimensões extras do espaço-tempo. O que observamos possui apenas quatro: três espaciais e uma temporal. Mas, para que as cordas se propaguem são necessários dez espaços-tempo”, explica o físico. “Uma forma que encontramos é considerar que essas seis dimensões extras sejam muito pequenas e estejam ‘enroladas’ em formas geométricas microscópicas – as variedades de Calabi-Yau, comparadas à rosquinhas, que definem seus padrões vibracionais de baixa energia”, continua. “Assim, ao se propagarem, as cordas dariam origem a campos quânticos que ‘vazariam’ para as quatro dimensões macroscópicas que observamos.” 

De acordo com a teoria, não só existe um número enorme de Calabi-Yau – ao menos 10 elevado a 500 – e formas de enrolar as seis dimensões, como também é difícil calcular as propriedades das partículas que emergem desse processo.

“[A teoria das cordas] é muito criticada por ser muito difícil de se fazer previsões experimentalmente falseáveis”, declara o professor. Uma dessas dificuldades, identificar os Calabi-Yau adequados para descrever o MPFP, começou a ser explorada a partir de algoritmos genéticos. Um estudo da Universidade de London conseguiu encontrar novos CYs, usando uma certa construção matemática. Já outro, feito pela Universidade de Durham, na Inglaterra, em conjunto com a Universidade de Ioannina, na Grécia, utilizou um algoritmo análogo que conseguiu encontrar CYs que levaram ao mesmo tipo de partículas e de simetrias que o Modelo Padrão. Outro grupo da Universidade de Oxford apresentou um cálculo, baseado no treinamento técnico de redes neurais de IA e conseguiu, pela primeira vez, calcular as massas de quarks distintos.

Para calcular as massas, as redes neurais foram úteis pela velocidade e a flexibilidade que as técnicas anteriores não tinham. Seu funcionamento pode ser resumido da seguinte forma: chute uma métrica e verifique se ela satisfaz a equação de Einstein em centenas de milhares de pontos do espaço hexadimensional; repita ajustando o chute a cada iteração até obter uma solução sobre toda a variedade. Para Casali, “a mágica vem exatamente como esse chute e ajustes são feitos”. 

Esses estudos demonstraram a viabilidade da inteligência artificial tanto para encontrar novos CY, como para usá-los em cálculos de propriedades (como massas) das partículas provenientes da teoria de cordas nesses espaços. 

“Os resultados obtidos ainda não coincidem totalmente ao MPFP, mas são os mais próximos que conseguiram chegar até agora”, explica Casali. Os avanços na tecnologia e das ferramentas teóricas são interessantes por aproximar mais a teoria de cordas com a física já estabelecida experimentalmente do Modelo Padrão.

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