Pesquisa da USP analisa fatores que caracterizam a financeirização da velhice nos tempos modernos

Docente do programa de Pós-Graduação em Gerontologia apresenta dados do estudo em eventos na Alesp e na sede do Ipea

A financeirização da velhice ainda é um tema ainda ofuscado no debate público, sobretudo, nos cuidados de longa duração em idosos. (Foto: Reprodução/Pik Wizard)
Com a chamada reestruturação do capital nos anos 1970, a nova relação entre o estado e o mercado ocasionou essa tal financeirização da vida, que se expande para diversas áreas. Sob as novas dinâmicas demográficas no bem-estar-social, o Estado se vê incapaz de oferecer o cuidado necessário aos idosos e acaba sendo uma espécie de “fiador” do bem-estar, convidando a “indústria financeira” a atender essas necessidades, que antes eram de exclusividade quase total do Estado.Em época de intensos processos de privatização, a população se vê vulnerável na decisão do estado em gerar oportunidades de lucro para o setor financeiro e, com isso, em um país onde praticamente não há educação financeira, os quase 70 milhões de brasileiros negativados no Serasa tendem a ter cada vez mais um superendividamento. Especificamente olhando para as pessoas mais velhas, famílias com pelo menos 50% de idosos comprometem 50% a mais da renda para cuidados pessoais e, sozinhas, as pessoas da terceira idade totalizam mais de 13 milhões de inadimplentes, cerca de 40% do total de idosos no Brasil.A convergência entre Estado e mercado pode ser evidenciada de mais de uma maneira. Na França, por exemplo, o serviço é prestado pela iniciativa privada, que monetiza de acordo com cada pessoa idosa atendida. Professor do Programa de Mestrado em Gerontologia da USP e um dos autores da pesquisa, Jorge Félix ainda explica que, “no caso do crédito consignado, é o papel do ‘Estado Fiador’ que aparece mais, isto é, a iniciativa privada concede o empréstimo porque o aposentado tem garantido o benefício.”Dentro desse atual cenário de financeirização, nota-se que o Brasil tem caminhado no sentido oposto ao que deveria ser tomado para uma melhora, que seria um maior investimento no SUS (Sistema Único de Saúde), para que vigorasse tal qual sua implementação no projeto original em 1988. “É bastante evidente, a partir de farta literatura, que o setor privado, que exige altas margens de lucro, não conseguirá garantir serviço de saúde de qualidade, sobretudo com o envelhecimento da população”, diz Félix.

A adoção de austeridade fiscal vista nos últimos governos ameaça grande parte das políticas públicas, além do baixo investimento no SUS, que tem limitação de acesso, muitas filas e longas esperas, o debate político atual mira uma nova reforma da previdência, mas desvinculando o salário mínimo (como piso) dos benefícios do INSS. “Isso seria um caos para a população idosa e, em pouco tempo, velhice e pobreza voltariam a ser sinônimos”, lamenta o pesquisador.

Com todos os países envelhecendo, mas em ritmos distintos, essa preocupação não será uma exclusividade do Brasil, que pode ter um lapso de que o tema receba mais luz no debate público com a adoção de uma Política Nacional de Cuidados, hoje em tramitação no Congresso. Diferentemente do que se imagina, boas políticas de envelhecimento não estão, necessariamente, ligadas à riqueza ou pobreza de um país. “A equação das novas demandas suscitadas pelo envelhecimento populacional, dependem muito mais de história e modelo de Estado do Bem-estar social do que se o país é rico ou pobre, os países nórdicos, que adotaram o modelo social-democrata, conseguiram apresentar resultados melhores”, conta o professor.

Brasil elabora proposta de Política Nacional de Cuidados e ...
Foto: Matheus Damascena – ASCOM/MTE
A Política Nacional de Cuidados foi recém-elaborada pelo Governo Federal brasileiro e apresentada no G20. Após a publicação do estudo, foi rápida sua repercussão na imprensa, principalmente sob olhar do endividamento e da expropriação da população idosa. Jorge Félix, autor da pesquisa em parceria de Guita Grin Debert, professora emérita do Departamento de Antropologia da Unicamp, está entusiasmado com o impacto e espera trazer novos dados em breve. “É difícil garantir que os dados podem frear a financeirização da velhice, mas emprestam uma complexidade e reflexões para o debate público”, conclui o docente. 

A pesquisa já foi apresentada no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) em São Paulo, e em evento na Assembleia Legislativa em Brasília, a convite do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).

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