
O ácido úrico tem se mostrado um aliado indesejado em processos inflamatórios e cardiovasculares. A professora Flávia Meotti, do Instituto de Química da USP, lidera pesquisas que investigam como a oxidação desse composto, por meio de reações químicas com enzimas do sistema imune, pode desencadear respostas inflamatórias no corpo, contribuindo para doenças cardiovasculares e afetando a defesa contra infecções.
Antecedentes
A investigação sobre o ácido úrico e sua ação no organismo é de longa data, com estudos iniciados em 2008. No começo, o grupo estudava o papel da substância na formação de cristais nos vasos sanguíneos das articulações, condição que causa a gota, um tipo de artrite.
No entanto, ao longo dos anos, os pesquisadores notaram uma série de efeitos pró-inflamatórios do ácido úrico que poderiam influenciar outras doenças. A equipe descobriu que a reação do composto com a enzima mieloperoxidase, presente em células de defesa, pode gerar produtos químicos altamente oxidantes, como o hidroperóxido de urato.
Ácido úrico e inflamação
Atualmente, a pesquisa de Meotti se foca em mais de uma frente. O projeto sobre Análise da resposta inflamatória das células dTHP-1 tratadas com hidroperóxido de urato busca entender como os radicais livres formados pela interação entre o ácido úrico e a mieloperoxidase podem modificar as respostas de leucócitos, as células de defesa.
“Queremos entender se, na presença desse hidroperóxido, essas células poderiam mudar para um perfil mais pró-inflamatório”, explica a pesquisadora. Embora o estudo ainda esteja em andamento, já se sabe que essa reação química pode afetar proteínas e processos celulares.
Um estudo paralelo envolvendo neutrófilos, um tipo de leucócitos, revelou que a presença de ácido úrico pode reduzir sua capacidade de matar bactérias. Isso porque a reação interfere na produção de ácido hipocloroso, essencial para a defesa contra infecções. “Curiosamente, ele tem uma fórmula parecida com o ácido hipoclorito, a água sanitária, que é um desinfetante.”
Em parceria com o Hospital das Clínicas da USP, a pesquisadora investiga a relação entre níveis elevados de ácido úrico e a propensão a desenvolver septicemia em pacientes de UTI. “Os dados iniciais sugerem que não são apenas os níveis elevados de ácido úrico, mas a oxidação dele que está associada a um maior risco de infecção generalizada”, afirma Meotti.
Desafios e oportunidades
Apesar das descobertas, a pesquisa de Meotti enfrenta o desafio da limitação de recursos humanos para operar equipamentos sofisticados na Universidade. “A falta de pessoal especializado para utilizar os equipamentos limita o avanço de muitos projetos.”
A professora também ressalta que os grupos que se dedicam exclusivamente à ciência básica e não buscam aplicações imediatas são invisibilizados, mas essenciais, pois fornecem o entendimento dos mecanismos que, futuramente, podem sustentar avanços aplicáveis em saúde, meio ambiente e tecnologia. “É fundamental que a sociedade compreenda que, embora a ciência básica não seja sempre visível, ela é a base para descobertas que, mais tarde, terão impacto direto na sociedade”, afirma a pesquisadora.
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