Agricultura familiar leva café de qualidade da lavoura para a xícara

Pequenos agricultores de cidades interioranas geram empregos e abastecem mercado cafeeiro com produção familiar

Brasil é líder mundial no cultivo de café [Foto: Reprodução/Freepik]

No Brasil, a agricultura familiar representa a principal fonte da produção agrícola. Dados do último Censo Agropecuário Brasileiro, realizado em 2017 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), informam que cerca de 76,8% das áreas de produção do país se caracterizam como espaços de agricultura familiar — ou seja, tem pequeno porte, com metade da força de trabalho e gestão exercidas pela família e a atividade agrícola realizada compõe, pelo menos, metade da renda do grupo. 

Ao todo, o levantamento identificou 5.073 milhões de unidades rurais, que contribuem com aproximadamente 70% dos alimentos produzidos no Brasil. No setor cafeeiro, que, em 2022, teve uma produção estimada em 50,38 milhões de sacas pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), as pequenas propriedades foram responsáveis por 48% da produção, além de criar cerca de 1,8 milhões de empregos.

Em cidades interioranas de diversas regiões do país, o cultivo de café em propriedades familiares impulsiona a economia através da geração de empregos, turismo e reconhecimento para a comunidade local pela qualidade dos grãos produzidos.

A cultura do café chegou ao Brasil no início do século 18 [Foto: Bárbara Aguiar/Acervo Pessoal]
A cultura do café chegou ao Brasil no início do século 18 [Foto: Bárbara Aguiar/Acervo Pessoal]
No extremo norte do Rio de Janeiro, o distrito de Calheiros, localizado na cidade de Bom Jesus do Itabapoana — com 35 mil habitantes, segundo o Censo 2022 do IBGE —, o cultivo do café nos moldes da agricultura familiar é um dos principais motores da economia local. 

Estanislau Kostka, produtor do Café Jacó de Calheiros, vencedor da categoria via seca do 5º Concurso de Cafés Especiais do Rio de Janeiro em 2021, conta que o cultivo do grão sempre foi a fonte de renda da sua família e, apesar de ter pensado em seguir outra carreira, foi cativado pela produção. “Teve um período em que estava até querendo sair da roça, mas o café me puxou e me deixou aqui”, brinca.

Na família do produtor Vagner José Oliveira, que cresceu no Sítio Pântano, no mesmo distrito, a história é semelhante: trabalhar com o grão é uma tradição. “Meus pais cultivam café desde que nasci e, crescendo nesse meio, também me apaixonei pelo cultivo”.

Para ambos, inseridos na realidade da produção familiar em pequenas cidades, o cultivo de café impacta diretamente na economia da região, inclusive de cidades vizinhas a Bom Jesus do Itabapoana. “Você pode olhar cidades como Varre-Sai, Santa Clara, é o café que movimenta”, diz Estanislau.

“A gente vê a turma trocando de carro, o pessoal construindo, e é tudo café. O impacto é gigante, principalmente na época da colheita. É bonito de se ver. Gente trabalhando e carro passando pra lá, pra cá, F-4000, trator”, continua o produtor premiado.

“O café é uma cultura que movimenta grandes receitas que refletem em toda a região, fortalecendo as famílias produtoras e contratados”

Vagner José, produtor rural

Mesmo no interior, a tecnologia e a busca pela qualificação do cultivo não abandonam os produtores rurais. Em Bom Jesus do Itabapoana, a Emater (Empresa de Assistência Técnica Extensão Rural) auxilia os pequenos agricultores com o oferecimento de assistência técnica e cursos de especialização. “Tem curso de análise física e sensorial, curso de torra e até de degustação”, compartilha Kostka. 

Segundo Vagner, a relação é essencial para que a qualidade dos grãos seja mantida: “A Emater oferece muito apoio às dificuldades que surgem no dia a dia do campo, principalmente na melhoria da qualidade dos cafés especiais”.

Grãos colhidos a dedo

Vagner conta que, além de cultivar o clássico café arábica, outras variedades como o catuaí vermelho, catuaí amarelo e catucaí 785 são plantadas em sua propriedade. Já Estanislau foca totalmente no tipo arábica, pela produtividade do grão e por questões de adaptação ao clima e à altitude da região.

Além do cuidado na escolha do café plantado, os agricultores revelam que a colheita é um dos momentos mais importantes na garantia da qualidade do grão. Em Calheiros, as plantações ficam localizadas em pequenas cadeias montanhosas, o que, somado com a preocupação em selecionar os melhores grãos, leva os produtores a escolherem o trabalho manual no lugar do uso de máquinas.

Depois de colhidos, os grãos passam por processo de secagem ao sol [Foto: Bárbara Aguiar/Acervo Pessoal]
Depois de colhidos, os grãos passam por processo de secagem ao sol [Foto: Bárbara Aguiar/Acervo Pessoal]
“É um trabalho árduo, um trabalho complicado, que exige muito esforço e força física. São muitos processos para o café chegar na xícara. Perigos na lavoura, como cobra, marimbondo, várias espécies de taturana. Não é tão simples produzir”, destaca Estanislau.

A colheita seletiva gera um café artesanal de alta qualidade, que, em grande parte, é exportado para outros estados. No caso de Vagner, a maioria das sacas vai para Minas Gerais e Espírito Santo. A produção da família de Estanislau se divide em 80% para a cidade vizinha, Varre-Sai, 10% para produção de cafés especiais e os 10% restantes são direcionados para a merenda das escolas da cidade.

Para produzir o café premiado, a trajetória de Estanislau foi longa: o cafeicultor demorou quatro anos para conquistar o prêmio. A iniciativa começou em 2018, quando a família decidiu investir na produção de um café com maior qualidade. No ano seguinte, Estanislau aumentou a produção e tentou participar do concurso, mas não atingiu a quantidade de umidade necessária. “A gente não tinha noção de como funcionava”, diz sobre os critérios de avaliação.

A degustação dos cafés especiais é um processo rigoroso que garante a qualidade do produto [Foto: Acervo Pessoal/Bárbara Aguiar]
A degustação dos cafés especiais é um processo rigoroso que garante a qualidade do produto [Foto: Acervo Pessoal/Bárbara Aguiar]
Em 2020, o Café Jacó passou na avaliação de umidade, mas faltou quantidade para se qualificar. O ano em que conquistou o prêmio foi, também, o primeiro do café de Estanislau concorrendo. “A gente ganhou com a maior pontuação do estado, que é 90,5, e é a maior pontuação até hoje”, conta, orgulhoso.

Tradição que se mantém pelo Brasil

No estado de São Paulo, historicamente relacionado com a produção de café — que chegou a ser conhecido como “ouro negro” —, a região de Mogiana Paulista mantém a tradição do cultivo. Municípios afastados da capital como Franca, Mococa, Batatais, Cajuru, Altinópolis e Santo Antônio da Alegria, fazem parte das principais regiões produtoras de café no Brasil.

No sul de Minas, as cidades de Varginha, Três Pontas, Poços de Caldas, Alfenas e Guaxupé se destacam no cultivo do café arábica. No Espírito Santo, os municípios que fazem divisa com o Rio de Janeiro e Minas Gerais também são reconhecidos como produtores de qualidade do mesmo grão.

No norte do país, Rondônia encabeça a lista como o segundo estado que mais produz o café robusta (também chamado de conilon), atrás apenas da região norte do Espírito Santo, responsável por aproximadamente 70% da produção nacional desse tipo.

Como o maior produtor de café do mundo, não é surpresa que o grão seja cultivado em diversas regiões do país. Do norte ao sul, o Brasil e a agricultura familiar têm café para encher qualquer xícara — seja pelo tradicional café preto ou pelos suaves cafés especiais.

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