O uso de drogas — ilícitas e legalizadas — vem aumentando entre os profissionais da aviação, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Segurança nos Transportes (NTSB). O tema, apesar de complexo, evidencia um problema marcante na área: a utilização de substâncias que podem atrapalhar o desempenho desses profissionais.
O assunto passou a ganhar mais atenção após 2015, ano do acidente do “Voo Germanwing 9525″, em que 144 passageiros e seis membros da tripulação foram mortos. O incidente aconteceu após o copiloto do avião precipitar a nave de forma intencional contra os Alpes, conforme relatório produzido pelo Escritório de Investigação e Análise para Segurança da Aviação Civil da França (BEA). Ainda segundo a avaliação, o copiloto apresentava sinais de depressão com características psicóticas e uso de medicação antidepressiva — nenhum examinador médico aeroespacial foi informado sobre a utilização desses remédios.
Ao avaliar esse cenário, Mauro Matias, ex-comissário de bordo, psicólogo e pesquisador da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, desenvolveu o estudo O uso de substâncias psicoativas na aviação civil: uma revisão integrativa, com a orientação da professora Frida Fischer. O pesquisador relata que a necessidade da pesquisa já havia sido identificada pela professora que o convidou para conduzir o projeto. “As diversas frentes de trabalho e pesquisas que a professora conduz estão convergindo para um destino natural que vai muito além de compreender as necessidades psicofisiológicas de uma categoria profissional específica, mas como a ciência pode fomentar apoio e ajuda efetiva em cuidados de saúde mental”, relata o especialista.
Pesquisa
Segundo Mauro, um dos principais desafios encontrados relaciona-se com o acesso aos dados sobre o tema. Por esse motivo, uma pesquisa quantitativa não poderia ser realizada, sendo substituída por uma revisão bibliográfica integrativa — método que tem como objetivo analisar e sintetizar os resultados de pesquisas anteriores. Para isso, foi também avaliada a necessidade de compreender os trabalhadores como um todo, ou seja, tanto pilotos, como comissários.
“O tema ‘uso de substâncias psicoativas’, principalmente quando abordado dentro do contexto de aviação, nos remete imediatamente ao uso de drogas ilícitas, mas pouco se pensa sobre as drogas lícitas”, aponta o psicólogo. Na grande maioria das pesquisas avaliadas no estudo, o metabólito de maconha é a principal droga ilícita encontrada. Antidepressivos, opióides, ansiolíticos e anti-histamínicos foram os que mais apareceram entre as drogas lícitas.
Implicações
Pesquisas apontam que os efeitos do uso de substâncias psicoativas nas pessoas têm como principal característica a ativação do sistema de recompensa do cérebro. Dessa forma, podem “provocar ou agravar problemas preexistentes ou não diagnosticados anteriormente, comprometendo a condução segura de uma aeronave”.
Diferentes motivos colaboram com o uso dessas substâncias por esses profissionais, entre eles o próprio ambiente de trabalho. A umidade relativa do ar é baixa, as escalas de trabalho irregulares são comuns, a vida social é reduzida e há a privação do convívio familiar — fatores que podem causar o adoecimento mental. “No imaginário popular, o tripulante é um viajante remunerado, que é hospedado em hotéis 5 estrelas ao redor do mundo, mas a realidade da profissão é um tanto perversa e diverge brutalmente da visão romântica da mente das pessoas”, reforça Matias.
Ações preventivas
Ao avaliar esse cenário, algumas políticas preventivas poderiam ser tomadas como forma de reduzir os danos para trabalhadores da aviação. Com base no estudo bibliográfico realizado para preparar a pesquisa, Matias considera que a realização de testagens toxicológicas obrigatórias (iniciais e aleatórias) e a implementação de estratégias educacionais é necessária.
Além disso, ele reforça que a utilização de medicamentos não representa a impossibilidade de profissionais desse setor realizarem o seu trabalho. É essencial, no entanto, que os remédios sejam avaliados junto aos seus efeitos.
O especialista considera também que há muitos aspectos que devem ser considerados no campo da saúde pública, pois é comum que esses profissionais sejam afastados de seus trabalhos e passem a lidar com complicações financeiras. “O aeronauta é afastado de acordo com as regulamentações internacionais, que são validadas pelas cortes brasileiras, mas o perito insiste que ele pode e deve trabalhar, lhe nega o benefício a que tem direito e lhes impõe o limbo previdenciário trabalhista”.
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