Pesquisa da USP levanta hipótese sobre presença de exoplanetas em sistemas estelares

Caso seja confirmada, novos exoplanetas podem ser achados utilizando a técnica de identificação de lítio na composição das estrelas

A imagem mostra uma representação artística de como seria a formação dos planetas. No centro se encontra uma estrela brilhante e ao seu redor estão vários planetas, cercados por uma nuvem espessa de poeira.
Representação artística da formação de exoplanetas. [Imagem: reprodução/ NASA/FUSE/Lynette Cook]

Uma pesquisa da USP publicada na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, jornal científico britânico sobre astronomia e astrofísica, mostrou uma correlação entre a presença de exoplanetas e a baixa quantidade de lítio em sua estrela hospedeira (quando uma estrela possui planetas que a orbitam): estrelas sem planetas tem o dobro do elemento que as estrelas com planetas.

Se a correlação for confirmada, a informação sobre a quantidade de lítio nas estrelas poderá ser usada como indicativo da existência de exoplanetas. É uma forma de limitar as estrelas a serem analisadas nesse tipo de busca e facilitar novas descobertas. 

A hipótese levantada pelo estudo, feito por pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), é a de que, durante a formação dos astros, o lítio foi “roubado” pelos planetas.

A formação dos astros acontece a partir de uma mesma nuvem molecular, repleta de elementos químicos. Alguns desses elementos vão condensar e formar rochas, que se transformarão em planetas. “Quando a estrela acreta – aglomera material, que faz com que o objeto cresça – o gás dessa nuvem, acaba se formando com menos elementos refratários do que aquelas sem planetas”, explica a astrônoma Anne Rathsam, autora principal do estudo e doutoranda no IAG. 

Existem elementos refratários e voláteis. A diferença entre eles é a temperatura de condensação: se eles são facilmente condensados, então são elementos refratários, encontrados na forma rochosa. Os voláteis não condensam com facilidade, e em geral são encontrados na forma gasosa, compondo as estrelas e os planetas gasosos.

Método de análise

Foram analisadas 192 estrelas de massas, idades e abundâncias de metais parecidas, das quais 36 possuem planetas detectados e as outras 156 não. Por meio dos dados do HARPS (Rastreador de Planetas em Velocidade Radial de Alta Precisão), foram possíveis análises espectroscópicas da assinatura do lítio, o que revelou a quantidade do elemento em cada uma dessas estrelas.

 

Exemplo de um espectro com linhas de absorção, que indicam quais elementos estão presentes no astro. O lítio tem uma assinatura como essa também. [Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons]
O HARPS capta o espectro de cada estrela, ou seja, a distribuição da luz em diferentes comprimentos de onda. Usando essa técnica, ele consegue detectar variações na velocidade radial das estrelas por meio do Efeito Doppler: quando o astro está mais próximo, ocorre o blueshift (comprimento de onda menor), e quando está mais longe, o redshift (comprimento de onda maior). 

Essas variações ocorrem porque quando um planeta orbita uma estrela, ele exerce uma força sobre ela que altera o centro de órbita do sistema. Assim, a estrela passa a orbitar esse ponto. Essas informações podem ser usadas para inferir a presença de um planeta. Hoje, para identificar um exoplaneta são também utilizados métodos de identificação por lentes gravitacionais e de trânsito, que é a observação da intensidade da luz.

O HARPS está acoplado ao telescópio de 3,6 metros do Observatório Europeu do Sul (ESO), localizado no La Silla Observatory, no Deserto do Atacama, no Chile. [Imagem: Reprodução/ Observatório Europeu do Sul]

A questão do lítio

O estudo do lítio é importante para o estudo da evolução das estrelas, porque é um elemento sensível à temperatura no interior desses astros – passa a ser queimado a partir dos 2,5 milhões de graus Celsius, o que é considerado uma temperatura baixa. 

Porém, as temperaturas na zona convectiva das estrelas parecidas com o Sol (camada responsável pela transmissão do calor do centro da estrela até o exterior) atingem cerca de 2 milhões de graus Celsius, o que não é suficiente para a queima do lítio. 

“Pelo modelo padrão para as estrelas o único mecanismo previsto para transportar o material nelas é por convecção, e a convecção ainda não consegue levar o lítio até uma região em que ele possa ser queimado. Então, a abundância de lítio deveria ser constante, todas as estrelas deveriam se formar e manter a mesma quantidade de lítio até elas morrerem”, diz a pesquisadora. A quantidade, porém, varia. 

 

Ilustração do mecanismo de transferência de calor de uma estrela. A fotosfera é a parte mais fria da estrela. [Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons]
Muitos estudos sugerem que a diminuição do lítio pode acontecer por diversos mecanismos, como transferência de calor por convecção, difusão atômica, assentamento por convecção e mistura induzida por rotação devido à gravidade. Outra possibilidade é a hipótese explorada por Anne, de que o esgotamento do lítio tem relação com a formação e com a presença de planetas em um sistema. 

Além dessa correlação, o estudo também traça uma relação entre a idade da estrela e a quantidade desse elemento: a abundância tende a diminuir conforme as estrelas envelhecem. A queima desse elemento também depende de pouca massa e de uma maior presença de conteúdo metálico na estrela – em astronomia, qualquer elemento sem ser o hidrogênio e hélio é considerado metal. 

“A gente vai encontrar planetas com um novo método,  sem identificar diretamente. Para detectar planetas novos, é necessária uma amostra inicial de estrelas. E aí, uma mostra de estrelas baixas em lítio teria muito mais chance de encontrar o planeta do que em uma amostra aleatória de estrelas”, diz Anne.

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