Uma pesquisa da USP publicada na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, jornal científico britânico sobre astronomia e astrofísica, mostrou uma correlação entre a presença de exoplanetas e a baixa quantidade de lítio em sua estrela hospedeira (quando uma estrela possui planetas que a orbitam): estrelas sem planetas tem o dobro do elemento que as estrelas com planetas.
Se a correlação for confirmada, a informação sobre a quantidade de lítio nas estrelas poderá ser usada como indicativo da existência de exoplanetas. É uma forma de limitar as estrelas a serem analisadas nesse tipo de busca e facilitar novas descobertas.
A hipótese levantada pelo estudo, feito por pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), é a de que, durante a formação dos astros, o lítio foi “roubado” pelos planetas.
A formação dos astros acontece a partir de uma mesma nuvem molecular, repleta de elementos químicos. Alguns desses elementos vão condensar e formar rochas, que se transformarão em planetas. “Quando a estrela acreta – aglomera material, que faz com que o objeto cresça – o gás dessa nuvem, acaba se formando com menos elementos refratários do que aquelas sem planetas”, explica a astrônoma Anne Rathsam, autora principal do estudo e doutoranda no IAG.
Existem elementos refratários e voláteis. A diferença entre eles é a temperatura de condensação: se eles são facilmente condensados, então são elementos refratários, encontrados na forma rochosa. Os voláteis não condensam com facilidade, e em geral são encontrados na forma gasosa, compondo as estrelas e os planetas gasosos.
Método de análise
Foram analisadas 192 estrelas de massas, idades e abundâncias de metais parecidas, das quais 36 possuem planetas detectados e as outras 156 não. Por meio dos dados do HARPS (Rastreador de Planetas em Velocidade Radial de Alta Precisão), foram possíveis análises espectroscópicas da assinatura do lítio, o que revelou a quantidade do elemento em cada uma dessas estrelas.
O HARPS capta o espectro de cada estrela, ou seja, a distribuição da luz em diferentes comprimentos de onda. Usando essa técnica, ele consegue detectar variações na velocidade radial das estrelas por meio do Efeito Doppler: quando o astro está mais próximo, ocorre o blueshift (comprimento de onda menor), e quando está mais longe, o redshift (comprimento de onda maior).
Essas variações ocorrem porque quando um planeta orbita uma estrela, ele exerce uma força sobre ela que altera o centro de órbita do sistema. Assim, a estrela passa a orbitar esse ponto. Essas informações podem ser usadas para inferir a presença de um planeta. Hoje, para identificar um exoplaneta são também utilizados métodos de identificação por lentes gravitacionais e de trânsito, que é a observação da intensidade da luz.
A questão do lítio
O estudo do lítio é importante para o estudo da evolução das estrelas, porque é um elemento sensível à temperatura no interior desses astros – passa a ser queimado a partir dos 2,5 milhões de graus Celsius, o que é considerado uma temperatura baixa.
Porém, as temperaturas na zona convectiva das estrelas parecidas com o Sol (camada responsável pela transmissão do calor do centro da estrela até o exterior) atingem cerca de 2 milhões de graus Celsius, o que não é suficiente para a queima do lítio.
“Pelo modelo padrão para as estrelas o único mecanismo previsto para transportar o material nelas é por convecção, e a convecção ainda não consegue levar o lítio até uma região em que ele possa ser queimado. Então, a abundância de lítio deveria ser constante, todas as estrelas deveriam se formar e manter a mesma quantidade de lítio até elas morrerem”, diz a pesquisadora. A quantidade, porém, varia.
Muitos estudos sugerem que a diminuição do lítio pode acontecer por diversos mecanismos, como transferência de calor por convecção, difusão atômica, assentamento por convecção e mistura induzida por rotação devido à gravidade. Outra possibilidade é a hipótese explorada por Anne, de que o esgotamento do lítio tem relação com a formação e com a presença de planetas em um sistema.
Além dessa correlação, o estudo também traça uma relação entre a idade da estrela e a quantidade desse elemento: a abundância tende a diminuir conforme as estrelas envelhecem. A queima desse elemento também depende de pouca massa e de uma maior presença de conteúdo metálico na estrela – em astronomia, qualquer elemento sem ser o hidrogênio e hélio é considerado metal.
“A gente vai encontrar planetas com um novo método, sem identificar diretamente. Para detectar planetas novos, é necessária uma amostra inicial de estrelas. E aí, uma mostra de estrelas baixas em lítio teria muito mais chance de encontrar o planeta do que em uma amostra aleatória de estrelas”, diz Anne.
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