O nascimento da filha foi ponto de partida para a doutora pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), Elaine Muniz Pires, começar a se aprofundar no tema da maternidade. No processo, ela se deparou com uma série de discursos que versavam sobre a violência obstétrica, formas de parturição, amamentação, alimentação saudável, entre outras questões, e que se mostraram recorrentes em comunidades online formadas por mães que defendiam a autodenominada maternidade ativa – termo utilizado para designar um conjunto de práticas que buscam reforçar o protagonismo feminino nos processos que envolvem a maternidade. A tese Maternidade ativa e cuidado com o mundo trata do tema explorando o seu significado e as contradições em volta dele.
A maternidade ativa é entendida a partir de uma série de práticas que recolocam a mãe e sua autonomia como elementos centrais do processo de gestação, parturição e criação da criança. Muitas vezes, ela é traduzida na tomada de certas decisões – como o nascimento da forma mais natural possível, a amamentação prolongada e o cuidado intensivo das mães aos filhos – e na crença de que tais condutas geram crianças mais saudáveis, solidárias e preocupadas com a humanidade.
A pesquisadora observou que, após o surgimento da internet, o espaço dos blogs se tornou um dos principais meios encontrados pelas mães para discutir o assunto, difundir conhecimentos maternos alternativos, compartilhar experiências e trocar diferentes opiniões, facilitando e expandindo, assim, esses debates. “Estes espaços virtuais acabam por se constituírem em lugares de escuta, de compartilhamentos de informações e sentimentos, de construção coletivas de sentidos e de lutas por melhorias nas políticas públicas de atendimento às mulheres e às crianças”.
Segundo a lógica da maternidade ativa, a partir das discussões, pesquisas e coleta de informações qualificadas, mães e gestantes estariam aptas a tomar decisões por si só. O conhecimento seria emancipatório, as colocando como autoridades de si e de seus próprios corpos, dando a elas, inclusive, o poder de questionar decisões médicas quando acharem necessário. “Não significa dizer que o conhecimento científico sobre estes processos é abandonado, e sim que a mulher deve retomar o protagonismo para decidir como cuidar e não apenas obedecer o médico”, fala Elaine.
Entretanto, foram as disputas discursivas travadas nesses ambientes que chamaram a atenção de Elaine. A então doutoranda procurou entender as contradições envolvendo a maternidade ativa, o porquê algumas escolhas não tinham espaço e eram recusadas por grande parte das defensoras desse modo de condução da maternagem, embora a liberdade e autonomia feminina fossem valores inegociáveis dela.
A escolha é de todos?
Diante de um cenário de múltiplas desigualdades, sobretudo sociais e econômicas, a maternidade ativa é, também, inevitavelmente atravessada por elas.
A escolha de uma ou outra prática pressupõe liberdade para tomá-las. Contudo, Elaine observou que mães e gestantes que adotaram práticas que estão “fora do escopo” do que sugere a maternidade ativa eram alvo de críticas. Isso se mostrou contraditório, uma vez que essa forma de maternar defende, antes de tudo, a autonomia e liberdade feminina.
Essas mães, que por algum motivo não aderem ao “pacote completo” da maternidade ativa, foram por vezes descritas como “menos mães” ou ainda “mães não esclarecidas”. Tal fato fez com que, embora essenciais, os blogs pudessem ser um ambiente desacolhedor, e que em alguma medida contribuíssem na difusão de discursos elitistas que alimentam e reforçam as contradições, como, por exemplo, o debate acerca do retorno ao mercado de trabalho e a ilusão de que a liberdade de escolha abrange todas.
A doutora encontrou no perfil socioeconômico de boa parte das mulheres que proferem o discurso da maternidade ativa uma das várias razões por trás dessas contradições. “Acontece porque esse é um discurso que circula principalmente entre mulheres brancas de classes abastadas que têm condições materiais de abandonar ou escolher outra carreira que se adeque às suas necessidades como mães. Esta não é a realidade para muitas mulheres das classes trabalhadoras, sobretudo para a maioria das mulheres negras que sempre trabalharam”, diz a pesquisadora.
O poder de escolher é entendido como um ato político de resistência. Entretanto, não é acessível a boa parte dessas mulheres. Por isso, Elaine procura desmistificar a maternidade ativa como uma prática impositiva ou engessada, para reforçá-la como um meio de recuperar o lugar da mãe como agente ativa nos processos relacionados à gestação, maternagem e na criação de um filho, respeitando os diferentes caminhos escolhidos.
“O que me parece o ponto mais importante desta guerra entre as mães é que ela aponta para a impossibilidade de definir um jeito certo, uma fórmula de maternar, de cuidar ou parir. Aponta para a necessidade de acolher as diferenças, entender que as escolhas e as possibilidades de cada mulher podem ser diferentes a depender de sua classe social, sua formação, sua raça, local onde mora e desejos pessoais”.
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