Homens negros são os mais impactados com aumento de desemprego pela política de juros altos

Pesquisa realizada pela FEA-USP identificou que aumento percentual da Taxa Selic resulta em uma ampliação no desemprego de homens negros comparado a homens brancos

Homem negro tentando alcançar uma carta de trabalho [Reprodução: montagem feita por Felipe Velames através de imagens do Flickr e Freepik]

“A carne mais barata do mercado é a carne negra”, declamava Elza Soares na década de 2000 ao falar sobre racismo. Após 20 anos, a carne negra ainda continua sendo a mais desvalorizada na sociedade brasileira. É o que mostra estudo feito pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made USP), sediado na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP (FEA), ao demonstrar que os homens negros são os mais afetados negativamente por um aumento da Taxa Selic* (taxa básica de juros da economia), que atualmente está em 13.75% ao ano.

Intitulada A política monetária de elevações na taxa de juros reforça desigualdades de gênero e raça no Brasil?, a pesquisa realizada pelas economistas Clara Brenck e Patrícia Cout discute a relação do aumento da taxa Selic e do desemprego com recortes de gênero e de raça. Elas chegaram à conclusão de que um aumento de 1 ponto percentual na taxa resulta em um aumento de 1.22% do desemprego para homens negros em comparação aos homens brancos.

Metodologia utilizada para identificar o descaso com a “carne negra”

Para explicar este aumento percentual, o estudo analisou a relação entre desemprego por gênero e raça e o comportamento da taxa Selic em 13 estados, entre os anos de 2012 e 2020, utilizando o homem branco como referência devido a sua posição privilegiada no mercado de trabalho. Com isso, conseguiu-se verificar os efeitos da taxa Selic no desemprego masculino racial nas diferentes regiões do Brasil. Enquanto na região Norte e Nordeste o efeito é quase inexistente, nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul é enorme.

De acordo com Carla, o fenômeno do desemprego pode ser explicado pelos homens negros ocuparem “subempregos” da sociedade, como construção civil e agricultura, que normalmente são os primeiros a serem desconsiderados em um aumento da Taxa Selic. Como mostram dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínuo (PNAD contínua), em 2019, 17.8% dos empregos de homens negros eram na área da construção civil, enquanto apenas 9.8% dos homens brancos ocupavam esta área.

Ela também afirma que podem existir características sociais que fazem com que os homens negros sejam mais prejudicados do que os brancos, como o racismo estrutural, mas a pesquisa não se aprofundou neste assunto.

Composição Setorial do Emprego por Gênero e Raça no Brasil durante o primeiro trimestre de 2019 com base em dados da PNAD contínua feito pela autora (imagem: acervo pessoal)

Possíveis soluções para o Governo valorizar a “carne negra”

“A crise aumentou. O emprego sumiu. E agora, José?” Ao responder esses questionamentos drummondianos de como o Governo pode resolver o problema estudado, Carla comenta que o primeiro passo é incluir no debate e na pesquisa econômica as variáveis de gênero e raça. Com novos estudos relacionados ao tema, pode-se haver propostas de solução para o problema.

Composição Setorial do Emprego por Gênero e Raça no Brasil durante o primeiro trimestre de 2019 com base em dados da PNAD contínua feito pela autora (imagem: acervo pessoal)

“Parte do que nos motivou a fazer essa pesquisa é justamente mostrar a falta de intersecção entre a macroeconomia e as questões de gênero e raça.” comenta a autora principal do estudo. “Mostramos que uma política macroeconômica não é neutra, e é preciso fazer tais estudos para várias outras políticas macroeconômicas. Só assim, poderemos entender melhor os efeitos de tais políticas nas desigualdades, e pensar em soluções.”

A pesquisa também explorou outros recortes de gênero e raça para além do homem negro. Enquanto a política contracionista prejudica homens negros de maneira significante, o aumento na taxa Selic não impacta no desemprego de mulheres negras quando comparadas a homens brancos. Já para mulheres brancas, o efeito é oposto aos homens negros: um aumento de 1% na Taxa Selic resulta em uma diminuição de 1.46 pontos percentuais deste grupo.

A íntegra do estudo está disponível no site do Made USP em Notas de Política Econômica.

 

*Taxa Selic → A Taxa Selic ou taxa básica de juros é o principal instrumento da política monetária definida pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação do país, influenciando todas as taxas de juros consequentes da economia brasileira, como as taxas de juros dos empréstimos, dos financiamentos e das aplicações financeiras.

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