Desde o início da Guerra do Afeganistão, em 1979, o país enfrenta instabilidade política devido à disputa de poder entre as diferentes etnias que o habitam. Em 2002, visando conter os conflitos e instaurar um governo democrático consolidado, a Organização das Nações Unidas (ONU) interveio no Afeganistão com operações de peacebuilding, ações baseadas em operações de paz. Em entrevista à Agência Universitária de Notícias (AUN), Victor Mendes, autor da dissertação de mestrado O reconhecimento de identidades coletivas pelas Nações Unidas nos processos de peacebuilding: uma análise a partir da Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (Unama) entre 2002 e 2021, orientada pelo professor Arthur Giannattasio e defendida no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, deu detalhes sobre a relação entre o reconhecimento da diversidade de uma população e a eficácia dos processos da ONU.
As operações das Nações Unidas
Inicialmente, as atividades da ONU consistiam em procedimentos para remediar conflitos entre dois Estados e garantir o cumprimento dos acordos de paz. A partir da década de 1990, no entanto, as guerras assumiram um novo formato, compreendendo motivações como a disputa pelo controle político entre grupos étnicos que habitam um país.
É nesse contexto que surge o conceito de peacebuilding. “Ele corresponde às operações em que a ONU está presente, não só para vistoriar o andamento da paz, como também assume funções civis e armadas para tentar endereçar [identificar as origens] as raízes da violência daquele país e, de alguma maneira, construir a paz”, explica Victor.
Tal processo é acompanhado por práticas de statebuilding, que visam reconstruir o Estado e instituir um governo centralizado. “Existe um paradigma na ONU de que a solução para a paz é a reconstrução do Estado, da integridade territorial desse país, e instituir uma democracia e uma economia liberal, porque só isso seria o suficiente para resolver o problema”, aponta o pesquisador.
No entanto, casos como o do Afeganistão, em que a guerra persiste após a intervenção, abrem margem para o surgimento do local ownership, uma literatura crítica que aponta para a importância de envolver a população local no processo. “Quando um país tem diversos grupos étnicos, eles e algumas práticas culturais devem ser considerados para que o Estado construído seja legitimado. Caso contrário, cria-se um modelo que não irá funcionar, porque as pessoas não estão acostumadas e, então, vão tentar sabotar ou deslegitimá-lo”, afirma Mendes..
O caso afegão
A intervenção das Nações Unidas em território afegão teve início após a queda do governo Talibã, em 2002, com a invasão dos Estados Unidos no país, e continua até os dias atuais. O grupo fundamentalista islâmico, formado no contexto da Guerra do Afeganistão, retornou ao poder em 2021, com a retirada das tropas norte-americanas.
Apesar do trabalho da ONU para a formação de um Estado único e democrático, os conflitos entre as diferentes etnias do Afeganistão impedem que o sistema seja consolidado. “Não dá para falar em unificar a população, sendo que alguns grupos são perseguidos. Quando a ONU tenta unificar surge um problema, porque a perseguição entre etnias e as diferenças vão continuar”, explica Victor.
Questionado sobre a reformulação do peacebuilding, o pesquisador explicou que os Estados membros da ONU são os responsáveis por aceitá-la ou não. “Nos últimos anos, houveram muitas iniciativas de tentar remodelar o peacebuilding, inclusive com críticas a como estava sendo feito, mas é necessário, antes de qualquer coisa, que exista vontade política dos Estados para que isso aconteça”.
Faça um comentário