Ainda que o tema levante controvérsias, é bem provável que Tennis for Two, desenvolvido pelo físico norte-americano William Higinbotham no Laboratório Nacional de Brookhaven, em 1958, tenha sido o primeiro videogame da história. Desde então, apesar de marcos como Spacewar, desenvolvido em 1962 no MIT, também nos EUA, os chamados games passaram a ser mais explorados fora da academia. Hoje em dia, no entanto, os jogos digitais são temas recorrentes em pesquisas, grupos de extensão e disciplinas das universidades, em áreas que ultrapassam até mesmo os limites das ciências exatas.
O Simpósio Brasileiro de Games (SBGames), maior evento de pesquisa e desenvolvimento da área no país, é um exemplo disso. Quando foi criado, em 2004, o evento reuniu 25 trabalhos. Na edição de 2022, foram mais de 180, em áreas que vão de artes e design até educação.
Desde 2016, o SBGames promove um concurso de teses e dissertações. No último ano, a tese premiada foi The Unlimited Rulebook: Architecting the Economy Mechanics of Games (O Livro de regras sem limites: Arquitetando as mecânicas de economia de jogos, em tradução livre), defendida no Instituto de Matemática e Estatística da USP (IME) pelo pesquisador Wilson Kazuo. O estudo desenvolveu uma arquitetura de referência, isto é, um método de desenvolvimento de software, capaz de facilitar a implementação e atualização de mecânicas de economia nos videogames. A ideia pode ajudar grandes estúdios a economizarem tempo e dinheiro na hora de elaborar e, principalmente, de implementar novidades em seus jogos.
A arquitetura desenvolvida por Wilson é baseada na criação de um sistema de regras que regule toda a economia do jogo, termo que abarca, para além das transações monetárias do videogame, o ganho e perda de pontos de vida, itens do inventário (como armas e roupas), pontos de experiência, entre muitos outros recursos escassos que o jogador possui. “Em termos de programação, desenvolver um jogo com uma economia complexa é uma mega dor de cabeça, porque é preciso fornecer ao computador instruções muito específicas sobre qual efeito cada ação deve ter em cada situação. Assim, quando regras se sobrepõem ou surgem exceções, o código tem de dar cada vez mais voltas e fica bastante confuso”, explica Kazuo.
Para ilustrar o funcionamento do sistema na prática, Wilson usa como exemplo jogos de cartas como Magic: The Gathering, que possui uma versão em videogame muito popular (Magic: The Gathering Arena). Neles, cada carta possui diversos efeitos e é, ao mesmo tempo, protegida de determinadas ações adversas do oponente. Tudo fica ainda mais complexo com o fato de que, periodicamente, são lançadas novas cartas, que introduzem regras e exceções inéditas no game. “Ao invés de voltar no código e introduzir novas condições para cada situação específica, a ideia dessa arquitetura de referência é permitir que o desenvolvedor possa ir ao livro de regras que preparou para aquele jogo e apenas acrescentar novos itens, que depois o programa irá consultar quando for necessário”, conta o pesquisador.
Kazuo está envolvido com o desenvolvimento de videogames desde a graduação, que também cursou no IME. Em 2009, junto a alguns amigos, ele criou o USPgamedev, um grupo de extensão formado por alunos de diferentes cursos da USP que desenvolvem e estudam jogos digitais. Com cerca de 20 participantes, o grupo hoje se divide em diversas equipes de desenvolvimento, e vários jogos já foram lançados e podem ser jogados gratuitamente online. Alguns deles, inclusive, serviram para que Kazuo testasse a sua arquitetura de referência.
Apesar da aplicabilidade de pesquisas como a de Wilson no desenvolvimento de games por empresas, a ligação entre a academia e o mercado ainda deixa a desejar. “O SBGames é um evento bem próximo da indústria, com palestras de desenvolvedores e até uma feira com jogos recém-lançados, mas eventos como a Game Developers Conference, a maior conferência do setor no mundo, tem bem pouca coisa da academia.”
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