Por Danielle Alvarenga, Eslen Brito, Gabriela Lima, Maria Vitória Faria, Rafael Canetti
As redes sociais estão repletas de páginas e perfis de empreendedores e seus negócios. O fenômeno vem se traduzindo em números. Uma pesquisa realizada pelo Sebrae apontou que, em 2022, houve um crescimento na taxa de empreendedorismo no Brasil, que saltou de 23% para 34,5%. A presença feminina nesse cenário foi de 10 milhões, representando 34% da categoria em 2022, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Contudo, a amostragem também revelou que a maioria das mulheres entram na profissão por necessidade.
De acordo com Alice Salvo Sosnowski, mestranda em Empreendedorismo na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP) e professora da PUC-SP, o ser humano inova e cria novas oportunidades desde que inventou ferramentas e dominou o fogo. Porém, o empreendedorismo não é apenas definido pela novidade e mudança. Há diferentes vertentes que estudam o ramo, que se dividem entre aquelas que associam a profissão à revolução e à criatividade e as que são mais amplas e defendem que o empreendedorismo também está atrelado a construir resultados a partir de demandas da sociedade.
Essa definição foi utilizada para atrair trabalhadores para empregos informais e com pouco respeito aos direitos trabalhistas. Alice Sosnowski ressalta que é necessário compreender as diferenças entre precarização do empregado e o empreendedorismo. “O que existe é sempre essa briga entre o capital e o trabalhador. Quem é a dona do capital? E quem é a força de trabalho? Eles [trabalhadores precarizados] são uma força de trabalho, que não têm direitos [reconhecidos]”, afirma a professora.
Quando o empreendedorismo ocorre devido à necessidade, o profissional fica mais exposto à precarização. De acordo com levantamento feito pelo Sebrae em 2021, 55% das mulheres estavam no ramo por precisar sustentar ou implementar a renda da família. “Nesse caso, aparentemente, parte das mulheres busca o empreendedorismo como um bico em momentos de piora da renda familiar”, aponta o relatório Global Entrepreneurship Monitor.
Além da dificuldade financeira, as mulheres ainda precisam enfrentar o machismo e misoginia da sociedade, que representa um empecilho para seus negócios. A professora Alice Sosnowski explica que até para conseguir empréstimos elas lidam com maiores resistências, sendo questionadas sobre filhos e como administram a casa e família em conjunto com os negócios.
“As mulheres são melhores pagadoras de financiamento, porém elas pagam juros maiores. Não tem nenhuma explicação racional para isso porque quem é melhor pagador devia pagar juros menores, mas não. Elas pagam juros maiores só porque a mulher culturalmente não faz parte do mundo dos negócios”, afirma a pesquisadora.
Sosnowski conta, ainda, que às mulheres eram negadas até as oportunidades para estabelecer contatos com colegas empreendedoras. “Trabalho com empreendedorismo há 15 anos. Nessa época, a mulher fazer networking era uma coisa muito rara, porque a mulher precisava trabalhar, depois cuidar dos filhos, cuidar da casa, porque tem a dupla, a tripla jornada. E os melhores negócios são feitos nos encontros de network. Então, assim, a gente sai atrás”, relata a professora.
Se em momentos de normalidade as mulheres já estavam em desvantagem, com a pandemia do novo coronavírus, em 2020, novas dificuldades surgiram. De acordo com a pesquisa do IBGE, as mulheres perderam mais postos de trabalho do que os homens durante a crise sanitária causada pela Covid-19. Enquanto o número de trabalhadores masculinos caiu em 0,9%, a presença feminina foi reduzida em 2,9%.
“As mulheres foram mais afetadas. Por quê? Tinha filho em casa, tinha que cuidar do filho pai idoso, mãe idosa. Então essa dupla, essa tripla jornada foi intensificada. A mulher foi quem mais perdeu”, ressalta Alice Sosnowski.
Contudo, a pesquisadora relata que também houve importantes avanços no empreendedorismo para o gênero feminino. “Negócios totalmente novos surgiram por causa de novas demandas de mercado causadas pela pandemia. Então surgiram novos empreendedores ocupando essas lacunas”, afirmou Sosnowski. Diante desse cenário, a professora declara que “as mulheres foram as que mais conseguiram inovar”. Além disso, iniciativas foram criadas para ajudar a impulsionar o empreendedorismo feminino, como é o caso da loja Magazine Luiza, que se tornou um marketplace e criou uma sessão em seu site para divulgação de negócios criados por mulheres.
Assim, apesar das dificuldades, o empreendedorismo feminino está em expansão e se fortalecendo. Contudo, para entender como as mulheres podem ter sucesso é preciso compreender o processo percorrido por elas para prosperarem no empreendedorismo.
Empreender no sucesso
A liderança feminina no mercado é vista com clareza nos números: 55,5% das empresas abertas na pandemia foram feitas por mulheres, segundo a Global Entrepreneurship Monitor 2020 (GEM). Mas, apesar do crescimento, elas ainda enfrentam dificuldades que, por vezes, podem paralisar suas ações – em especial, o medo de sair da zona de conforto.
Recomeçar do zero, em uma área completamente nova, pode ser assustador, assim como foi para a Vanessa Muglia, atual responsável pela área jurídica – Chief Legal Officer – e cofundadora da BHub, uma startup membro do Cubo Itaú. A carreira de empreendedorismo de Vanessa começou aos 32 anos, em 2020 – junto a diversas outras mulheres que usaram a criatividade a seu favor em um momento tão adverso da pandemia.
O universo das startups e das inovações tecnológicas era, ao mesmo tempo, uma novidade e um desafio já conhecido. Afinal, o marido de Vanessa empreende há muitos anos e ela já tinha conhecimentos prévios. Mesmo assim, quando começou a empreender, Vanessa sentia que não conhecia nada. “Hoje, vejo que foi muita ingenuidade. A verdade é que você só consegue entender e sentir na pele do que se trata quando entra no jogo e coloca a cara a tapa.”
Vanessa conta suas motivações e dificuldades, como foi quando abandonou sua antiga carreira consolidada, de 11 anos, no ramo da advocacia. “Largar tudo não foi uma decisão fácil, ainda mais considerando todo suor, energia e horas investidas ao longo de muitos anos. Mas, a possibilidade de criar algo que tivesse propósito, do jeito que eu acreditava ser certo, despertou uma sensação que não sentia há muito tempo”.
Mesmo com força de vontade e empenho, a cofundadora da BHub enfrentou um desafio especialmente difícil de ser combatido: a autossabotagem. A empreendedora não possuía experiência prévia em tecnologia e gestão administrativa, e tinha vícios de ambientes tradicionais extremamente engessados de trabalho, em que lhe era exigido – dos outros e dela mesma – a perfeição. Ao se deparar com uma situação desconhecida, a empreendedora se apavorava com a constante possibilidade de cometer um erro e de confessar que não conhecia grande parte das ferramentas e conceitos básicos desse meio. Além disso, ela diz que “questionava diariamente se era a pessoa ideal para liderar uma empresa”.
Formada em Direito pela PUC-RJ, Muglia carrega uma bagagem educacional extensa, com mestrado em Direito pela Universidade de Nova York (NYU) e MBA em Finanças pelo Insper, que, apesar de não serem áreas relacionadas ao empreendedorismo, foram importantes para lhe darem segurança de que, caso o empreendimento não desse certo, ela poderia tentar seguir por um outro caminho, ou retornar para sua área de atuação inicial. Essa possibilidade, contudo, não é comum a todas as empreendedoras, uma vez que, muitas delas, não possuem estudos específicos em nenhuma área, e empreendem pela necessidade de sobreviver.
Empreender por necessidade
Ana Cristina é uma empreendedora que não tinha como objetivo ter o próprio negócio, mas, pelas necessidades geradas devido às condições do mercado de trabalho, ela teve que se reinventar. Com 45 anos, Ana trabalha como Uber na cidade de São Paulo e, junto com o marido, também vende bolos de pote.
Ela explica que a ideia de vender bolos surgiu quando o carro que era usado para trabalhar teve um problema mecânico. Sem trabalhar no aplicativo, Ana precisou achar outra forma de complementar a renda e, como muitas outras brasileiras, a solução encontrada foi criar um empreendimento.
O seu pequeno negócio acabou dando certo e a renda extra que entra ajuda bastante a família. Atualmente, Ana e o marido levam os bolos no carro para vender. Os dois preparam os bolos, montam as embalagens e vendem. São eles também que fazem o atendimento pelo WhatsApp e negociam as encomendas. “Agora, estou fazendo um curso de confeitaria para um dia, quem sabe, sair do aplicativo e me dedicar apenas aos bolos”, conta Ana Cristina.
Casos como o de Ana Cristina não são incomuns no Brasil. No entanto, poucos são levados adiante ou têm investimento suficiente para crescer e acabam sendo apenas mais uma forma de sobreviver. De acordo com o relatório do Global Entrepreneurship Monitor 2020 (GEM), a parcela da população que mais se destaca no empreendedorismo é aquela que possui renda superior a seis salários mínimos, enquanto os cidadãos com renda de até dois salários mínimos são os que menos obtêm sucesso.
Quando o empreendedorismo não é uma escolha
Cerca de 8,7% da população economicamente ativa do Brasil encontra-se em situação de desemprego, segundo relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao terceiro trimestre de 2022. Essa proporção representa uma queda de quase 4 pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano anterior. Contudo, o dado esconde uma informação preocupante: há cada vez mais gente trabalhando no mercado informal por necessidade e não por escolha.
Uma pesquisa de sondagem do mercado de trabalho do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostrou que 87,7% dos trabalhadores autônomos gostariam de assumir uma vaga de emprego formal. O número é ainda maior entre os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, chegando a 89,5% dos entrevistados.
O Brasil bateu recorde de trabalhadores na informalidade no segundo trimestre deste ano, quando o número chegou a quase 39,3 milhões de pessoas. No período de agosto a outubro, esse dado sofreu uma leve queda, foi para cerca de 39 milhões. Ainda assim, esse é um dos maiores níveis desde que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, passou a ser feita.
Esses índices refletem simultaneamente os impactos da pandemia de Covid-19, que levou à redução de postos de trabalho formal, e da reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou processos trabalhistas visando facilitar contratações. Porém, ela também passou a permitir que empresas contratem funcionários terceirizados para suas funções principais, o que é visto por alguns juristas como um retrocesso para o trabalhador, que não teria os mesmos direitos que o regime previsto na CLT.
Essa é uma tendência que vem crescendo nos últimos anos e atinge não somente a população pouco especializada, mas, também, trabalhadores com alto nível de escolaridade. Cada vez mais pressionados a atuarem como pessoas jurídicas, a “pejotização” do trabalho pode trazer tanto mais autonomia como também, mais incerteza ao ambiente profissional.
Para as mulheres, esse fenômeno é ainda mais frequente já que pressões sociais como a jornada doméstica de trabalho e a maternidade podem dificultar a entrada e reinserção da mulher no mercado formal. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicados em março deste ano, na nota técnica América Latina e Caribe: Políticas de igualdade de gênero e mercado de trabalho durante a pandemia, dos 23,6 milhões de postos de trabalho de mulheres perdidos no pior momento da pandemia, ou seja, no segundo trimestre de 2020, cerca de 4,2 milhões ainda não haviam sido recuperados até o final de 2021. Enquanto isso, praticamente todos os 26 milhões de empregos perdidos por homens haviam sido recuperados no mesmo período.
“A pandemia exacerbou as desigualdades estruturais existentes. Mulheres que habitam as zonas rurais, chefes de família com crianças pequenas, aquelas com menos formação e educação, mulheres indígenas e afrodescendentes foram as mais afetadas. As disparidades de gênero, tanto na participação quanto na renda, são persistentes em mulheres de menor renda e menor escolaridade”, disse Roxana Maurizio, especialista regional em economia do trabalho da OIT e uma das responsáveis pela nota técnica.
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