Estudos lançam luz sobre as ligações entre o direito trabalhista e a questão racial

Seminário realizado por grupo de pesquisa da USP discute branquitude e precarização do trabalho

Manifestação do Movimento Negro Unificado (MNU) no Centro de São Paulo, 1978. [Imagem: Jesus Carlos/Memorial da Democracia]

Na noite de primeiro de maio, Dia do Trabalhador, foi transmitida a primeira parte do seminário Negritando o Direito do Trabalho, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (GPTC-USP). O evento, que aconteceu em três dias consecutivos — com gravações disponíveis no YouTube, divididas em dias um, dois e três —, marcou a conclusão de um período de estudos focado na questão racial e no direito do trabalho no Brasil. Coordenado por Jorge Luiz Souto Maior, Gustavo Seferian, Danilo Uler, Sonilde Lazzarin, Valdete Souto Severo e Stefania Becattini Vaccaro, professores da Faculdade de Direito da USP, o grupo iniciou os estudos sobre esse tema no segundo semestre de 2021.

As reuniões semanais do GPTC foram organizadas por Helena Pontes dos Santos, pesquisadora do grupo, mestranda e especializada em Direito do Trabalho pela USP. Os encontros envolveram a leitura e o debate de textos — principalmente de autores negros brasileiros, como Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro — sobre a questão racial, relações de trabalho e a jurisprudência brasileira. Durante o evento, ficou claro o caráter aberto e multilateral inerente ao GPTC, que não busca limitar os conhecimentos apenas às instituições acadêmicas. Helena o caracteriza como “um grupo de pesquisa que está efetivamente aberto para a comunidade”. Conforme a pesquisadora, essa abordagem também está presente por trás da imagem de fios de conta que fez parte da divulgação do  seminário: “A gente está sempre trocando muita informação, vivência e experiência, e construímos juntos, cada um seu próprio fio, mas o meu fio tem colaboração de todo mundo ali dentro, e o fio de cada um lá dentro também tem”.

Durante o seminário, foram apresentados diversos tópicos relacionados à questão racial e a

Imagem usada na divulgação do seminário. [Imagem: Helena Pontes, Pedro Daniel Blanco Alves, Janaina Pereira, Hilana Pereira, Juliana Nakano, Lorena Boaventura]
jurisprudência no Brasil, junto aos textos de referência e às conclusões do grupo de pesquisa. A partir do estudo da via histórica, os debates começam no escravismo colonial, na abolição da escravidão e sua posterior culminação na realidade do racismo cultural e do capitalismo dependente. Helena chama atenção para importância do entendimento da questão da branquitude — tema que abre a exposição dos resultados no seminário — para a compreensão do cenário atual: “Dentro da área trabalhista, a gente vai verificar que muitas das coisas que, quando atingem os brancos passam a ser um problema, já atingem os negros há muito tempo”. As políticas adotadas após a abolição da escravidão visavam ao branqueamento da sociedade brasileira e a consequente ilusão de igualdade racial. “A gente quer compreender como o sistema opera e como as pessoas são levadas a colaborar com esse sistema”, conta Helena.

A análise do passado é essencial para a compreensão do cenário vivido por pessoas trabalhadoras negras no Brasil atual. De acordo com a pesquisadora, é através do estudo da história da escravidão e da abolição, assim como das categorias constituídas por intelectuais negros, que se torna possível o entendimento da realidade vivida hoje por pessoas negras, que ocupam a maioria das posições de trabalho em que a precariedade é agravada. Conforme dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) de 2018, a maioria expressiva do setor terceirizado de serviços — incluindo o trabalho doméstico e de cuidados —, é composta por mulheres negras. Como exposto no seminário, as condições de alta rotatividade, sobrecarga de trabalho e salários mais baixos evidenciam a ligação da terceirização com a precarização — sem contar a maior incidência de acidentes de trabalho nessa categoria. 

Ainda sobre a terceirização, Helena diz: “Há uma desvalorização muito grande desses trabalhos, e isso se dá porque o capitalismo precisa extrair o máximo dessa força de trabalho. E o racismo é a forma de  justificar essa superação”. Como foi dito na postagem de divulgação do seminário, os estudos do grupo ponderaram a influência da questão racial sobre as questões trabalhistas e a jurisprudência brasileira e teceram uma “crítica consistente à experiência jurídica trabalhista com relação a sua omissão histórica frente à questão racial”.

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