USP discute papel de Castro Alves para além da poesia, 150 anos após sua morte

Evento organizado pela Biblioteca Brasiliana traz convidadas para analisar os impactos do literato baiano na poesia e no teatro

Crédito: Câmara Municipal Teixeira de Freitas/Reprodução

No dia 20 de julho, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin realizou a mesa redonda: 150 anos da morte de Castro Alves: poesia e teatro, se pautando na efeméride para homenagear, relembrar e revisitar a obra do poeta, dramaturgo e ativista abolicionista baiano. 

Além de destacar sua vasta produção literária, o evento explorou a vivência de Castro Alves no meio teatral e no espaço público, trabalhando junto a movimentos estudantis e ativistas para a propagação do abolicionismo entre a população letrada, durante o século 19. A exposição foi direcionada, dentre outros públicos, para os alunos da Universidade de São Paulo, especialmente para a Escola de Comunicações e Artes e a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. 

A importância artística e política de Castro Alves foi revisitada e analisada por quatro convidadas: Giovanna Gobbi Alves Araújo (pesquisadora-residente junto à BBM e doutora em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP), Jéssica Cristina Jardim (doutoranda em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP), Lígia Rodrigues Balista (doutora em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP e pesquisadora do Laboratório de Informação e Memória do CAC e do ETEx) e Manuella Miki Souza Araujo (doutora em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP).  Cada uma das pesquisadoras abordou um recorte diferente, amplificando a discussão e permitindo uma compreensão mais completa dos ecos castroalvinos ao longo dos séculos. 

“Nesses 150 anos que nos separam do tempo que viveu Castro Alves, forjou-se um mito em torno de sua persona pública, que frequentemente se sobrepôs à fatura poética do próprio escritor. A tradição da crítica que se seguiu após sua morte foi fortemente influenciada por sua imagem de bardo abolicionista, de profeta inspirado, de defensor dos escravizados”, disse Giovanna Gobbi na abertura do evento, trazendo à tona um pouco do tom heroico frequentemente associado à figura de Castro Alves, mas que está longe de abranger toda a complexidade trabalhada pelo autor. 

Castro Alves ficou conhecido, sobretudo, por sua poesia voltada para o mundo a sua volta, e os problemas que o identificava. Logo, motes como luta de classes, dos marginalizados e oprimidos e, principalmente, do abolicionismo foram comumente abordados em sua obra, tanto de forma poética quanto dramática. 

“A grosso modo, a crítica (a Castro Alves) se dividiu em dois grupos: para uns, a função humanitária atribuída à poesia social dele que o conferiu uma posição de herói nacional, de tal modo que as limitações dessa poesia eram amenizadas em nome de seu propósito messiânico e dos valores que ele exaltava. Para outros, as hipérboles, os exageros de linguagem, serviram para empobrecer o valor estético dessa produção”, salienta Giovanna, sobre a crítica ao poeta baiano. 

A pesquisadora também afirma que a obra de Castro Alves é um material que pede revisitação, porque foi pouco analisado historicamente, no sentido da necessidade de se aprofundar sobre seu projeto político-literário. Nesse contexto, é importante difundir que sua grande reputação não ocorreu pela obra em livro, cujo único publicado em vida foi “Espumas Flutuantes”, mas sim por conta de suas récitas, declamações, discursos em circos literários, presença em associações estudantis, abolicionistas, bem como nos palcos dos teatros de Salvador, Recife e São Paulo. 

A mesa revisitou a produção literária de Castro Alves no interior das questões estéticas e políticas do fim da década de 60 e as considera em perspectiva histórica, repensando essa produção a partir do ápice da campanha abolicionista na década de 1880 e do teatro engajado contra ditadura no fim do século XX. 

“O teatro era presente na produção castroalvina tanto como meio de veiculação, como nos mecanismos poético-retóricos de cunho dramático empregados na mobilização da emoção das plateias. Ele apostou na intensificação desses componentes dramáticos no corpo de sua obra, que era pensada para atingir a comoção e a persuasão da opinião pública em favor da abolição”, pontua Giovanna.

Na sequência, a pesquisadora Jéssica Jardim explora as dimensões de Castro Alves, analisando, em um primeiro momento, os motivos que o levaram ao teatro, que eram três grandes paixões do autor: a poesia, o abolicionismo e o amor pela atriz Eugenia Câmara, com quem manteve relacionamento por cinco anos. Segundo a pesquisadora, esses elementos transparecem muitas vezes em sua escritura e segmentam a escrita do drama “Gonzaga ou a Revolução de Minas”.

Manuella Miki explorou a reverberação do trabalho de Castro Alves em Cruz e Souza, outro grande poeta da literatura brasileira. “Desde o início da década de 80 do século XIX observa-se um Cruz e Souza em aberta campanha abolicionista, empenhado em poemas, viagens pelas diversas regiões do Brasil na companhia de uma trupe teatral e em produções jornalísticas”, aponta Manuella.  

A pesquisadora destaca semelhanças tanto na forma, quanto nas temáticas levantadas pelos autores. Além disso, ela comenta o poema em homenagem aos 10 anos da morte de Castro Alves escrito pelo catarinense Cruz e Souza. No poema, Cruz e Souza coloca Castro Alves em posição ficcionalizada. “Acende ao céu precocemente, como uma espécie de santo e herói, ou, em outras palavras, ele é um mártir dedicado à sua missão civilizadora”, destaca. 

Castro Alves surge santificado enquanto porta um livro luminoso na mão, no momento de ascensão à imortalidade e reverbera aquela passagem célebre do poema castroalvino de “O Livre América”, onde Castro Alves diz: ‘ó, bendito o que semeia livros à mão cheia e manda o povo pensar”.

Já Lígia Balista trouxe à mesa uma análise da peça do dramaturgo João Francisco Guarnieri, “Castro Alves pede passagem”, que demonstra, antes de tudo, o eco do artista em tempos futuros. A peça trazia recursos da biografia e da narração histórica, comemorando 100 anos da morte do baiano. “Mensagens de resistência, de busca de liberdade que aparecem em relação à vida e à obra do poeta Castro Alves são atualizadas. A peça acaba por denunciar a repressão à contestação do sistema político então vigente, na ditadura civil-militar, e defender ideias de uma tentativa de resistência”, expôs a pesquisadora. 

A Mesa está disponível no Youtube, pelo canal da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

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