Há 13 anos, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) reencontraram, no estado de Tocantins, após mais de 170 anos, o Neonothopanus gardneri, o maior fungo bioluminescente já encontrado no país e um dos maiores do mundo. Seu nome é em homenagem ao botânico George Gardner, o primeiro que descreveu a espécie, no ano de 1840.
Este fungo, também conhecido como Flor de Coco, já que aparece na base de palmeiras babaçu, tem sido usado pelo professor Cassius Stevani, que estava entre os pesquisadores que reencontraram o cogumelo, em vários projetos de sua linha de pesquisa. Segundo o pesquisador, na natureza, o N.Gardneri é muito importante para o funcionamento da cadeia alimentar: “os fungos reciclam todo o material lignocelulósico da base da cadeia alimentar para outros níveis da cadeia do solo. Então, eles são muito importantes para a biodiversidade do solo”.
A partir da importância do fungo para o desenvolvimento das relações alimentares dos ecossistemas, Stevani tem usado esses fungos para ensaios de toxicidade ambiental. Em seu último artigo, foi avaliado o decréscimo da bioluminescência do fungo em presença de cátions metálicos e componentes fenólicos, conhecidos poluentes ambientais.
Bioacumulação é indicada nos fungos
Os fungos são organismos decompositores, ou seja, realizam a reciclagem dos nutrientes de plantas e animais para outros organismos. Por isso, estão presentes no primeiro nível trófico das cadeias alimentares, sendo primordial para o equilíbrio biológico da natureza.
No entanto, existem algumas substâncias tóxicas orgânicas e inorgânicas que podem estar presentes no solo, podendo ser absorvidas ou inibir a atividade decompositora dos cogumelos e, com isso, acumulam-se ao longo dos níveis tróficos. Nesse sentido, como a cada avanço de posição dos consumidores na cadeia alimentar, o número de organismos ingeridos é maior do que no nível anterior, “quem concentra mais do agente tóxico é quem está lá no topo, que, no final das contas, vai ser um predador, como o ser humano”, explica o professor.
A aluna de Mestrado de Stevani, Fernanda Ventura, conduziu os ensaios de toxicidade com o N.Gardneri na presença de cátions metálicos, como chumbo e mercúrio, e de compostos fenólicos, presentes em processos industriais. Ambas substâncias são poluentes do meio ambiente, capazes de inativar enzimas, comprometendo, inclusive, a produção de ATP, essencial para a produção de energia dos organismos eucarióticos, como os fungos.
Bioluminescência como fator de alerta ambiental
De acordo com estudos anteriores conduzidos pelo grupo de Stevani, os fenóis inibem a produção de ATPs em outro fungo bioluminescente, o Gerronema viridilucens, fazendo com que a emissão de luz do fungo diminua. A partir desta primeira avaliação, este ensaio fez os experimentos com o Neonotophanus gardneri, justamente para avaliar a toxicidade dos poluentes e a reação do fungo com essa interação.
O professor aponta que, para uma análise mais detalhada acerca da presença ou não dos poluentes, a “Flor de coco” apresentava características melhores que as outras 20 espécies bioluminescentes do país. Dentre elas, uma maior previsibilidade do crescimento, o que facilitaria a replicação das etapas do estudo.
“Como ela emite mais luz, então, o nosso ensaio é mais sensível. Além disso, ela é menos tolerante às substâncias tóxicas, o que pra gente é bom, porque quanto mais sensível for a espécie, melhor pra gente detectar que essa espécie está sendo atingida por algum poluente mais precocemente”, complementa Stevani.
A etapa experimental da pesquisa, então, passou pela avaliação da toxicidade dos fenóis e cátions metálicos no fungo, durante 24 horas, tendo como meio de crescimento o ágar. Stevani ressalta que a ideia inicial do experimento era analisar o comportamento da luz do fungo sob essas exposições: “Se a substância for tóxica para o fungo, ela vai diminuir a luz. Essa diminuição é proporcional ao tipo da substância e à concentração dela”. Ao final desse período, observou-se que a bioluminescência final do N.Gardneri decaiu, em presença de cobre (II) e fenol, 50% e 75%, respectivamente, em relação à bioluminescência inicial.
O trabalho mostrou como os fungos bioluminescentes podem ser utilizados em ensaios toxicológicos. O decréscimo da luminosidade a partir da presença dos poluentes ambientais facilitaria a visualização e possibilitaria uma ação mais rápida para tomar medidas reparadoras.
O pesquisador Cassius Stevani ressalta também um segundo fator que esse ensaio apresentou: a possibilidade do uso deste estudo para o desenvolvimento de novos fungicidas. A descoberta refere-se à existência de algumas espécies de fungos bioluminescentes que são fitopatogênicas, ou seja, agem como parasitas nas plantas, utilizando-se dos nutrientes e estruturas das hospedeiras para seu próprio desenvolvimento.
A partir do conhecimento que fungos sofrem perdas na cadeia respiratória e energética quando expostos a compostos fenólicos, “é possível avaliar e desenvolver novos fungicidas, mais seguros, para ser usados na agricultura, de forma que ele ataque ou seja tóxico somente para a espécie que você quer”, aponta o pesquisador.
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