Anestésico potencialmente eficaz como antidepressivo é testado no tratamento da depressão pós-parto em animais

Pesquisa estuda os efeitos da depressão pós-parto em roedores e um possível tratamento utilizando a cetamina

Pesquisadores estudam a eficiência de analgésico no tratamento da depressão pós-parto em roedores [Crédito: Luana Franzão utitlizando elementos do FlatIcon]

As neuropatologias são investigadas pela ciência há muito tempo. Doenças como o Alzheimer ou o Mal de Parkinson, apesar de serem amplamente presentes nas pesquisas de neurociência em todo o mundo, ainda não possuem uma solução definitiva. Males psiquiátricos, como a depressão ou a ansiedade crônica, também são pauta dos laboratórios, pois apesar de existirem diversas soluções para esses quadros, a necessidade de medicamentos mais precisos se torna cada vez maior.

Diante de uma gama infinita de demandas, muitos pesquisadores optam por se debruçar sobre os efeitos inexplorados de medicamentos já conhecidos e amplamente utilizados. Dessa forma, é possível analisar substâncias que são sabidamente seguras e descobrir novas eficácias desses farmacológicos. É o caso de pesquisas recentes, por exemplo, de medicamentos como a hidroxicloroquina contra a Covid-19: uma droga que é eficientemente utilizada no tratamento da malária teve seu uso investigado no combate contra o novo coronavírus — e, neste caso, não obteve resultados significativos.

Recentemente o órgão de controle de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos (Food and Drug Administration, FDA) aprovou o uso de um medicamento que utiliza o composto escetamina como antidepressivo. A escetamina é um derivado da cetamina, medicamento utilizado desde os anos 70 como poderoso anestésico, que mais recentemente tem sido estudado no tratamento contra a depressão resistente. À luz das novas descobertas, um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP) decidiu estudar mais profundamente as propriedades desse farmacológico no tratamento da depressão pós-parto.

Depressão pós-parto e as possíveis soluções

A depressão pós-parto atinge de 10 a 15% das mulheres puérperas no Brasil, de acordo com dados recolhidos por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Um dos principais conflitos das mães que estão sofrendo com o transtorno é o tratamento. A psicoterapia muitas vezes precisa ser associada ao uso de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos para alcançar resultados desejados e algumas mães temem que os remédios possam contaminar o leite da amamentação, causando algum dano ao desenvolvimento dos filhos.

O pesquisador da FMVZ-USP Gabriel Ramos de Abreu, inserido no novo projeto, estudou a possibilidade da transmissão do farmacológico através do leite materno em ratos. “O que nós quisemos investigar nessa pesquisa são duas coisas que estão conectadas: uma é a depressão pós-parto em roedores e como ela afeta os filhotes, e a outra é o uso da cetamina e os efeitos na prole — se causa problema de memória, social ou motor”, esclarece.

O uso de roedores para o projeto se deve ao processo científico exercido quando se trata do uso de medicamentos: é necessário primeiro testar o componente em duas espécies de mamíferos, depois em uma espécie de primata, e apenas então é possível iniciar testes em humanos. Abreu explica que os roedores são uma ótima fonte de informação nessas pesquisas: “Quando escolhemos ratos, é por todo o conhecimento que já existe sobre ratos na pesquisa — sabemos muito mais sobre eles do que sobre aves, por exemplo — e pela proximidade que temos com eles. Nossos sistemas, de maneira geral, se comportam de forma muito parecida. Geralmente conseguimos transpor coisas que acontecem com os ratos para humanos, mas sem testes em pessoas é impossível afirmar categoricamente”.

Os resultados obtidos pela equipe de cientistas mostram que, muito provavelmente, a cetamina é capaz de ser transmitida aos filhotes através do leite materno. Este é um ponto de atenção para os pesquisadores, pois houve algumas mudanças neuroquímicas na infância, que se alteravam ou eram revertidas na idade adulta, mas não foram identificadas mudanças comportamentais nos ratos estudados. “Baseando a minha escolha somente nesses resultados, eu diria que sim, parece seguro usar [a cetamina como antidepressivo] em humanos. No entanto, é muito difícil transpor um dado realizado em um animal direto para um humano, este é mais um tijolo na construção de um novo conhecimento”, declara Abreu.

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