O Airbnb é um modelo de negócio novo que não está incluso nas legislações dos países. Isso faz com que cada país cobre (ou não) impostos de forma diferente e dá abertura para evasões fiscais nas transações que envolvem plataforma, hóspede e anfitrião. A falta de uma regulamentação específica para esses novos modelos deixa as legislações desatualizadas — principalmente quando os agentes envolvidos nas transações incorporam conceitos e práticas emergentes, tais como o compartilhamento de ativos e a utilização de plataformas digitais, como o Airbnb faz.
Esse foi tema da dissertação de mestrado de João Octávio Coelho De Oliveira defendida na Faculdade de Economia e Administração da USP. Intitulada “Serviço 4.0 e tributação na economia P2P: atuação da Airbnb em seis metrópoles mundiais”, a pesquisa tem como objetivo geral analisar as exigências locais e as práticas tributárias de agentes (plataforma, anfitriões e hóspedes) envolvidos na prestação de serviços de hospedagem 4.0 em: Cidade do México, Londres, Mumbai, Nova Iorque, Rio de Janeiro e São Paulo.
A plataforma de hospedagem estudada coloca como responsabilidade do anfitrião se informar sobre possíveis impostos que fazem parte desse tipo de serviço. O pesquisador demonstra que a empresa propõe o que ele chama de “autorregulação”, terceirizando a responsabilidade.
Quando se abre a seção de impostos no site a mensagem que se lê é: “Recomendamos que você pesquise para garantir que entende e cumpre com todas as regras e obrigações fiscais locais que se aplicam ao seu anúncio. Consulte o governo da sua região ou um contador para saber mais sobre impostos que se aplicam à sua situação”.
Assim, a pesquisa pontuou que o Airbnb tenta se afastar dessas responsabilidades. Ao transferir esta para os anfitriões, muitas vezes pessoas físicas, sem conhecimentos legais, o Airbnb dá abertura para evasões fiscais. Essa terceirização permite comportamentos oportunistas dos anfitriões, por meio de omissão em recolhimento de tributos incidentes, duplicidade de dados cadastrais e erros na classificação do espaço. Este procedimento potencializa a prática de subnotificação, tanto do período de utilização legal do espaço quanto da receita auferida pelo serviço prestado, base para apuração dos tributos.
O Airbnb é um modelo de negócio que faz parte da economia compartilhada. Mais especificamente, é denominado modelo P2P, “peer-to-peer”, um formato que conecta diretamente particulares, demandante e ofertante, sem a necessidade de um intermediário, diminuindo os custos de transação. O Airbnb conecta pessoas que possuem acomodações ou espaço disponível nas suas acomodações (anfitrião) a pessoas que precisam desses espaços (hóspede).
A plataforma não ajuda seus usuários a entenderem os impostos que devem cobrar e recolher, pois “as pessoas não têm conhecimento tributário, a lei não é amistosa e contratar um contador não é tão acessível para todos”, pontuou João Octávio.
Porém, em alguns locais a plataforma recolhe certas taxas e impostos pelos anfitriões, “por conveniência”. É o caso de Porto Seguro. Na cidade baiana, todos os turistas devem pagar um imposto pernoite de R$ 2,60. O Airbnb fez um acordo com a prefeitura da cidade e ele mesmo já cobra a taxa dos hóspedes na reserva, substituindo os anfitriões no recolhimento.
Parecido com isso, visando se estabelecer em um grande mercado da América Latina, o Airbnb aceitou recolher dos usuários na Cidade do México uma taxa diária que todos os serviços hoteleiros devem cobrar. Mas não chega nem perto dos impostos que os hotéis ainda devem pagar na cidade, como o Imposto sobre Serviços (ISS) e diversos outros. Mesmo caso de Mumbai, onde a plataforma se equipara aos hotéis ao cobrar uma taxa cultural do hóspede, mas somente isto.
Em Londres, o Airbnb foi incluído na legislação já existente no país de “short rental”, aluguel de curto prazo. Isso limita os anfitriões a alugar por no máximo 90 pernoites anuais seus espaços, mas nem tanto assim, pois os burlamentos são muito frequentes.
Isso mostra que em todas as cidades e países pesquisados, se há uma legislação que inclui o Airbnb, são aplicadas leis e mandatos convencionais. Quando os legisladores se mobilizam para aplicar tributos a esse serviço, sempre se preferiu caracterizar ele como aqueles já existentes, aluguéis ou hotéis. Os legisladores preferem fazer isso à modernizar e criar leis que acompanhem essa evolução e inovação nos serviços, facilitando desvios legais.
Mas os tributários não são os únicos desvios legais que a falta de legislação permite. A falta de regulamentação não obriga, por exemplo, que o Airbnb faça uma auditoria de seus espaços, o que traz grandes riscos de responsabilidade civil.
Para exemplificar, o pesquisador citou o caso da família brasileira de seis pessoas que morreram enquanto estavam de férias em um apartamento alugado pelo Airbnb em Santiago, no Chile. A causa da morte foi um vazamento de monóxido de carbono no apartamento. A Superintendência de Eletricidade e Combustível (SEC) chilena descobriu que o apartamento alugado pela família não tinha certificado de uso de gás em dia.
Ao não fazer vistorias, a plataforma põe em risco os anfitriões e os hóspedes. Basta que você clique que seu espaço possui o necessário.
Também é o caso de muitas residências em Nova Iorque, onde é proibido aluguéis de curto prazo em áreas residencias restritas. Mas não há nenhuma fiscalização, cabe ao anfitrião saber disso. Às vezes ele não sabe, mas existem os que só fecham os olhos e cadastram seus espaços de qualquer forma.
Quem briga muito para uma definição acontecer é a hotelaria. Os hotéis querem que os espaços do Airbnb sejam considerados serviços hoteleiros e paguem as mesmas taxas que eles. Isso porque os hotéis pagam altos impostos, o que faz com que seus serviços fiquem mais caros e estes não consigam competir com os espaços da plataforma P2P.
Segundo João Octávio, se formos olhar para o Brasil, mesmo antes do Airbnb, alugueis de casa de veraneio, por exemplo, já eram bem fortes e consolidados, mas não havia reclamações da hotelaria, “se tinha, era incipiente, não era tão forte”, pontuou. Mas, devido a facilidade e a quantidade que a plataforma trouxe, essa discussão foi potencializada no país.
Mesmo com uma preocupação das autoridades brasileiras pela gestão da Airbnb sobre a acomodação de curto prazo, as discussões em diversas esferas governamentais do país são de tipificar os serviços prestados pelo Airbnb ou como aluguel ou hospedagem, sem considerar criar uma legislação específica.
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