Depressão, irritação em excesso, picos de energia e insônia são alguns dos sintomas que caracterizam o transtorno bipolar, doença psiquiátrica que causa oscilações cíclicas de humor e episódios de mania e hipomania. Os comportamentos oriundos do TB interferem no modo como o paciente se relaciona consigo e com aqueles que o cercam. Quando fora de controle, a doença pode afetar a relação parental, causando instabilidades familiares e maus tratos infantis.
O transtorno é uma doença multifatorial que pode se desenvolver de acordo com a carga genética, ou seja, filhos de pais portadores do transtorno têm maiores chances de desenvolver a doença também. Para entender a convivência, muitas vezes complexa, entre pais com TB e seus filhos, assim como os efeitos de tais maus tratos no desenvolvimento infantil, Danielle Soares Bio, neuropsicóloga do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), elaborou a pesquisa “A associação entre traumas na infância, funcionamento cognitivo e morfologia cerebral em pacientes com transtorno bipolar tipo I”, em conjunto com o grupo GRUDA, que estuda transtornos afetivos no Instituto.
O transtorno é identificado por dois tipos clínicos: TB I e TB II. No primeiro, o paciente tem episódios de mania significativos – picos de euforia, que tem duração de ao menos uma semana e persistem na maior parte do dia, comprometendo a rotina do paciente, seus afazeres e relações. Por serem mais evidentes, os pacientes buscam tratamento mais rápido e têm maiores chances de controlar a doença. No segundo, os episódios são mais espaçados e menos perceptíveis, caracterizados principalmente por hipomanias – alterações bruscas de humor, mas menos anormais, gatilhadas por situações pontuais e que são facilmente confundidas com irritação ou estresse cotidiano. Por conta disso, o diagnóstico do TB II é mais difícil, e seus portadores são lidos como “pessoas de personalidade instável”.
“A pesquisa tinha por objetivo avaliar o perfil cognitivo, o funcionamento de memória, funções executivas, concentração e atenção, investigando o perfil cognitivo e se esse perfil e a morfologia do cérebro dos portadores de transtorno bipolar eram diferentes dos pacientes de transtorno bipolar que tinham sido expostos a maus tratos na infância”, declara ela.
Por ser o único órgão do corpo humano que não nasce 100% formado, o cérebro depende de estímulos, fatores ambientais e emocionais para entender o mundo e os comportamentos humanos. Quando esses estímulos não vêm da maneira adequada, caracterizando maus tratos, e são associados a carga genética do TB, aumentam as chances de que a criança tome os comportamentos oscilantes como regra e desenvolva o transtorno mais cedo. Soares esclarece que nem todos os filhos de TB desenvolvem o transtorno, mas “toda a combinação ambiental, o desenvolvimento da primeira infância e a carga genética aumentam essa propensão”.
Segundo a pesquisa, 57,3% dos participantes do estudo passaram por maus tratos na infância, seja por meio de abusos físicos, psicológicos ou negligência. Os episódios de mania e comportamentos depressivos dificultam que as mães portadoras da doença se dediquem aos filhos de maneira adequada, sem conseguir manter uma rotina de cuidados e até com dificuldade de demonstrar afeto. Quando não há o acompanhamento correto, um ambiente hostil se forma ao redor da doença. O estudo observou ainda que mães com TB têm maior propensão a criar os filhos sozinhas, já que oscilações de humor podem tornar mais difícil a manutenção dos relacionamentos entre parceiros e familiares mais difícil.
A convivência complexa com os pais portadores da doença, pode não só acelerar o aparecimento de sintomas nos filhos, como também gerar problemas de socialização e adultos naturalmente mais instáveis. “Nosso cérebro desenvolve-se de acordo com os modelos a que somos expostos. Se estou em um ambiente onde meu pai está depressivo, não socializa e não se relaciona com ninguém, vou ter mais dificuldade de aprender modelos adequados de socialização”, afirma Danielle.
Apesar do cenário encontrado na pesquisa, o Grupo de estudos trabalha também por uma psicoeducação correta. Mesmo sendo uma doença crônica, quando os pacientes com transtorno bipolar conhecem seus sintomas, podem receber diagnóstico e tratamento adequados, controlando a doença e prevenindo o desenvolvimento precoce nos filhos.
Danielle explica que a prevenção aos maus tratos nesses casos é essencial para que os pacientes possam constituir suas famílias e aproveitar a vida da melhor maneira. “A linha de pesquisa visa ajudá-los a pensar na questão de aconselhamento genético, calculando quais as chances de que os filhos desenvolvam transtorno bipolar. Por prevenção, fornecer um ambiente saudável para esses filhos minimiza as chances de que tenham doenças psiquiátricas no futuro”.
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