Agricultura urbana gera renda e reduz perdas no transporte

Desenvolvimento de uma política pública de incentivo poderia expandir a prática nas cidades

Horta na zona leste de São Paulo. Foto: Rubia Fernanda Panegassi dos Santos

Uma das crises desencadeadas pela pandemia é a do desemprego. Dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) levantados no segundo trimestre de 2020, apontam que mais de 13 milhões de brasileiros estão desempregados. Pouco praticada no país, a agricultura urbana poderia ser uma possibilidade de renda para parte desse contingente sem trabalho.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em relatório sobre a segurança alimentar no mundo divulgado em 2015, afirma que “a agricultura é uma alternativa de trabalho mais eficaz na redução da extrema pobreza em comparação com outros setores (mineração e serviços).”

A pesquisadora, Rubia Fernanda Panegassi dos Santos, autora da dissertação de mestrado “A agricultura e a cidade: os produtores agrícolas da Zona Leste de São Paulo”, defendida na EACH, explica a afirmação da FAO: “A agricultura é mais eficaz porque diferentemente de outros trabalhos, considerando a agricultura pouco mecanizada, não necessita de muita escolarização. Além disso, a agricultura é uma atividade que pode ser praticada em vários ambientes; por exemplo, sobre telhados ou em hortas verticais.”

Pelo menos 800 milhões de pessoas no mundo cultivam alimentos e criam pequenos animais em cidades, contribuindo com cerca de 20% de toda a produção agrícola do planeta. Os números são do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, publicados no final dos anos 1990. A agricultura feita na cidade, estudada na dissertação de Rubia, afigura-se como um importante instrumento de geração de renda e de enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional. “A agricultura urbana se destaca como alternativa de trabalho para pessoas em situação de vulnerabilidade”, afirma Rubia. “Também é uma importante ferramenta para atenuar o problema de insegurança alimentar e nutricional dos mais pobres.”

Agricultura urbana ou rural

O livro Primavera Silenciosa da norte-americana Rachel Carson, publicado em 1962, é tido como um dos mais importantes impulsionadores do movimento ambientalista. O livro critica a forma que a agricultura moderna é praticada; principalmente, o uso de agrotóxicos. Rubia conta que leu o livro durante a graduação em Gestão Ambiental na EACH-USP. Depois disso, seu interesse em estudar formas de manejo agrícola menos agressivas à saúde da terra e do homem nunca mais cessou. 

Em um primeiro momento da sua dissertação, Rubia discute o uso inadequado dos qualificativos urbano e rural para distinguir dois supostos tipos de agricultura apenas por uma questão de territoriedade ou divisão administrativa. Não é a localização que diferencia as práticas agrícolas. Rubia problematiza o conceito de urbano substituindo-o por um processo: a racionalidade urbana. O campo estaria tomado por essa racionalidade; anulando, assim, suas distinções da cidade. Dessa forma, não faz sentido qualificar uma agricultura como rural se ela manifesta o mesmo modo de produção, as mesmas relações de trabalho, as mesmas instituições e a mesma ideologia da cidade.

Zona leste de São Paulo

Na dissertação, a pesquisadora também trata das características e dos potenciais da agricultura praticada dentro das cidades; mais especificamente, na Zona Leste de São Paulo. “Hoje, a agricultura se apresenta em pelo menos 550 estabelecimentos agropecuários recenseados pelo IBGE dentro da cidade de São Paulo, com maior concentração nas Zonas Sul e Leste”, conta Rubia. 

Horta vertical. Foto: Rubia Fernanda Panegassi dos Santos

De 2002 até 2014, todo a área do município de São Paulo era considerada urbana. Isso dificultava a implementação de políticas de proteção ambiental e de incentivo a agricultura. Com a aprovação do Plano Diretor Estratégico-PDE (Lei Ordinária 16.050/2014), aproximadamente 30% do território da cidade passou a ser considerado zona rural. O PDE exige que os usos do solo nessas áreas sejam sustentáveis, de modo a proteger o meio ambiente. Entre as formas de uso permitidas e que devem ser estimuladas nas áreas da zona rural da cidade, está a prática de atividades agropecuárias.

Além das mudanças introduzidas pelo PDE, Rubia cita outras iniciativas de âmbito municipal importantes para o incentivo da agricultura urbana, como o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana (PROAURP) e as Casas de Agricultura Ecológicas (CAEs). Rubia detalha: “Com o PROAURP, muitos agricultores são auxiliados por funcionários da Prefeitura, principalmente para encontrar terrenos para plantar. As CAEs, existentes apenas na Zona Sul e Leste, oferecem recursos, como insumos e ferramentas, e assistência técnica para os agricultores próximos da região. Vale destacar que a assistência sobre o manejo da produção é baseada nos princípios agroecológicos.” 

Embora reconheça certos avanços, a pesquisadora lamenta. “O orçamento e o pessoal empregado nesses programas da prefeitura são insuficientes.” O tamanho da agricultura praticada na cidade de São Paulo ainda é pequeno; em geral, os produtos são vendidos diretamente no próprio terreno do produtor ou em feiras livres próximas. Mais apoio permitiria expandir a área cultivada e elevar a produtividade das plantações. Em sua pesquisa, Rubia enumera as vantagens da agricultura citadina: redução dos custos de transporte e das perdas vinculadas a ele, disponibilização de alimentos mais frescos, geração de renda e contenção da expansão urbana para as áreas de proteção ambiental e de mananciais.

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