Pandemia da covid-19 e quarentena aumentaram o consumo nocivo de álcool, aponta estudo

Pesquisa da Fiocruz aponta para aumento do uso de bebidas alcoólicas durante a pandemia, especialmente entre os mais jovens

Foto: Ria Sopala/Pixabay

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em conjunto com as Universidades Federais de Minas Gerais e Campinas, avaliou 44 mil brasileiros entre abril e maio de 2020, e apurou que 18% dos examinados relataram ter aumentado a ingestão de bebidas de teor alcoólico durante esse período. 

A pesquisa, que foi realizada por meio de um questionário online, tem seu resultado relacionado com mudança de padrão de consumo dos respondentes: “Algumas pessoas relataram que não consumiam bebida alcoólica e começaram durante a pandemia, outras consumiam uma ou duas vezes por semana e passaram a beber em mais dias da semana. Também tem quem consumisse toda noite e passou a beber durante o dia também”, explica Arthur Guerra, coordenador do Grupo de Estudos de Álcool e Drogas do Instituo de Psiquiatria da USP (IPq).

Um ponto que, talvez, explique essa mudança de padrão de consumo observada na pesquisa é o fator emocional. O mesmo estudo da Fiocruz apontou que 40% dos entrevistados se sentiu triste ou deprimido frequentemente e 54% relatou estar ansioso ou nervoso.  A possibilidade do estresse estar ligado com o aumento do uso de álcool fica ainda mais evidente analisando que entre as pessoas que relataram se sentir tristes/deprimidas, o aumento da ingestão alcoólica foi de 24%, acima da média geral.

Perante esse cenário, Arthur Guerra alerta para o uso de bebida como uma espécie de remédio contra a tristeza. “O álcool não deve ser utilizado como uma substância de teor terapêutico antes durante ou depois da pandemia. A ansiedade, depressão, tristeza e agonia que esse momento causa não devem, jamais, ser combatidos com o alívio momentâneo que o álcool proporciona”. No entanto, o professor titular da FMUSP salienta que aumento relatado na pesquisa da Fiocruz não deve ser confundido com casos de alcoolismo. “Importante dizer que esses números não representam, necessariamente, episódios de alcoolismo, que seria a dependência alcoólica. Mas ainda merecem nossa atenção e preocupação.”

A angústia da pandemia explica também o motivo das faixas etárias mais jovens puxarem a média de consumo de bebidas para cima — a dianteira ficou para faixa entre 30 e 39 anos, onde 26% aumentaram seu uso, enquanto que apenas 11% idosos relataram aumento —, segundo a pesquisa, 70% dos jovens entre 18-29 anos responderam estar tristes durante a pandemia. 

Outro possível fator motivador para o aumento do uso de bebidas nessa faixa etária foram os chamados shows virtuais. “Os jovens ficaram expostos à lives de cantores em redes sociais onde o consumo de bebidas era incentivado e realizado, inclusive com muitos artistas devidamente alcoolizados. Tudo isso deixava o jovem extremamente vulnerável ao uso excessivo de álcool em casa, que costuma ser mais nocivo do que socialmente”, afirma Arthur Guerra. Pensando nisso, em abril desse ano o Conar chegou a intimar o cantor sertanejo Gusttavo Lima por apologia ao álcool durante suas lives, que eram patrocinadas pela cervejaria Ambev. Em uma live posterior à intimação, o cantor chegou a ironizar o Conar.

Cantor sertanejo Gusttavo Lima consumindo bebida alcoólica durante sua live. Foto: Reprodução/Youtube

Uma maneira encontrada em alguns países para solucionar essa questão foi a de proibir ou dificultar a venda de álcool durante a pandemia. Exemplos de países que adotaram ações nesse sentido são África do Sul, México e Índia. No entanto, essa medida não foi tão eficaz para a saúde da população local como se supunha a princípio. A escassez de álcool fez com que pessoas recorressem a bebidas clandestinas e ilegais, de procedência duvidosa. No caso mexicano, onde houve severas restrições para venda de bebidas, foram contabilizadas 120 mortes por ingestão de bebidas caseiras. “Além dessa questão da bebida ilegal, essas medidas restritivas incentivaram o crescimento da venda online, o que facilitou em muito a compra de bebidas por menores de idade”, complementa Arthur Guerra.

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