‘Empreendedorismo’ aumenta e é visto como demanda na pandemia

Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas

O título de “empreendedor” e a ideia de que todos o somos em potencial é demanda gerada pelo neoliberalismo, aponta estudo. Segundo a pesquisa, a lógica do empreendedorismo tem sido utilizada como uma forma de governo a partir da precariedade e da chamada crise do emprego desde a década de 1980. A tese é da psicóloga Flávia Uchôa de Oliveira, doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).

Em entrevista, Flávia explica que o “empreendedorismo, no Brasil, organiza uma forma de trabalho que o brasileiro já conhece: a de se virar”, sob um novo discurso de que é necessário “tomar riscos e fazer por si mesmo”. Por ser um modo de governar o trabalho a partir da crise, faz sentido que se insista no “empreendedorismo” como uma das respostas nesta crise gerada pela pandemia. 

Um exemplo desta dinâmica é o tratamento recebido pelos entregadores de aplicativos por parte das empresas: os profissionais pararam as ruas em sua primeira greve nacional, no dia 1 de julho, visando pressionar as plataformas para a garantia de melhores condições e direitos trabalhistas. Os motoboys contaram com o apoio da população nas redes sociais e o evento ficou conhecido como ‘Breque dos Apps”. 

O movimento se repetiu no dia 25 de julho, chamando atenção novamente para as condições precárias de trabalho vividas pelos profissionais autônomos, visto que no começo do ano a Justiça do Trabalho de São Paulo negou vínculo empregatício entre os entregadores e o aplicativo de delivery iFood. A realidade destes motoristas agravou-se ainda mais no período de quarentena em que os índices de desemprego aumentaram e os restaurantes encerraram o serviço presencial, oferecendo apenas a opção de entrega. Ao passo que os números e reivindicações de profissionais autônomos aumentam, grandes empresas como o Bradesco, por exemplo, deram início a campanhas publicitárias que estimulam o empreendedorismo, associando-o à “inovação” e à “resiliência”.

Em relação a isso, Flávia afirma que “o empreendedorismo serve muito bem para organizar uma série de trabalhadores que não tem emprego formal, perdendo o horizonte de uma proteção social. A dedicação não vem de uma vontade somente, mas da necessidade de sobrevivência. ‘Empreendedor’ é um nome que abrange tanta coisa e não se estabelece em nada.”

Por outro lado, ressalta que a noção de empreendedorismo também exerce apelo emocional sobre o trabalhador, conferindo um certo alívio. Flávia afirma que, apesar do trabalhador periférico se sentir frustrado com as dificuldades do dia a dia, o título de “empreendedor” pode atribuir um “sentido” ao sofrimento do trabalho e ao sofrimento social, devendo ser levado em consideração. A psicóloga questiona: “Como nos desfazemos um discurso que organiza a vida das pessoas? É uma questão ética primordial na psicologia”.

Ela conta que passou a se interessar pelo discurso do empreendedorismo durante seu trabalho no departamento de Recursos Humanos de diversas empresas, intrigada pela exigência de proatividade e de investimento em si próprio que encontrava nesses ambientes. Questionando-se o porquê dessa retórica ser tão recorrente dentro de empresas diversas, Flávia realizou 26 entrevistas com diversos trabalhadores de multinacionais, startups e autônomos da comunidade São Remo, vizinha do campus Butantã da USP, para embasar sua tese. Baseando-se nos referenciais da Psicologia Social do Trabalho e dos Estudos de governamentalidade, também estudou a história do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

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