Casos de aids diminuem, mas infecções por HIV aumentam

Dia 01 de dezembro é Dia Mundial de Combate à Aids (Imagem: Alex Silva/A2 Estúdio)

Por Fernanda Pinotti, Gabriel Cillo, Mariana Arrudas, Mayumi Yamasaki e Sofia Aguiar

Publicado em 2018, o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde aponta que o número anual de casos de aids vem diminuindo desde 2013, mesmo que em 2017 o número de diagnósticos tenho sido de quase 38 mil. Os casos de infecção por HIV, no entanto, vêm aumentando a cada ano. Em relação a 2014, o ano de 2017 teve um aumento de 40% no número de novas infecções. Os dados ainda apontam que o aumento se deu, em sua maioria, entre jovens de 29 a 30 anos, homens, negros e habitantes da região Sudeste.

Proporção por gênero de número de casos no Brasil desde 1980 (Imagem: Mariana Arrudas)

Para o professor de farmácia Anor Vega, esse cenário é reflexo de outras questões sociais. Ele afirma, por exemplo, que a defasagem de gênero acontece porque as mulheres ainda buscam mais serviços de saúde que os homens. “Além disso, analisando pelo viés racial, está faltando auxílio e informação para a população negra”, comenta.

Há quem acredite que os aplicativos de relacionamento estão facilitando a infecção entre as pessoas. “A tecnologia tornou mais rápido o processo de se conhecer alguém e, consequentemente, a doença se propaga mais facilmente”, reflete Beatriz Almeida, médica do CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) Henfil pela ONG AHF. Ela também afirma que a eficácia do tratamento contra o HIV tem dificultado a conscientização da população, que parece não entender a gravidade da situação.

Rafael Bolacha, portador da doença, acredita que o problema é outro: “Os pais precisam conversar com seus filhos adolescentes sobre sexo. É uma hipocrisia absurda. As pessoas querem fingir que não está acontecendo nada”.

Distribuição dos diagnósticos de aids no Brasil (Imagem: Mayumi Yamasaki)

Muitas pessoas sequer sabem a diferença entre HIV e aids, usando as duas palavras como sinônimos. A primeira delas é o nome de um vírus que ataca o sistema imunológico, deixando-o mais suscetível a doenças oportunistas. Já a aids define o estágio avançado desse processo, quando o indivíduo já teve suas células de defesa destruídas e está com a imunidade baixa. 

O infectologista Max Lopes, do Hospital das Clínicas, ressalta que atualmente essa diferenciação não tem muito valor graças a competência dos novos tratamentos, com o uso de antirretrovirais as pessoas não chegam a atingir o estado de aids. “É possível impedir completamente a replicação do vírus com um único comprimido por dia, tendo efeitos colaterais muito baixos. Assim, os pacientes que ficam com o HIV indetectável no sangue (por causa dos medicamentos) não transmitem o vírus”, acrescenta.

A evolução dos antirretrovirais transformaram o que antes era uma infecção fatal em uma condição crônica controlável, apesar de ainda não haver cura. Em uma pesquisa, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS) constatou que a mortalidade relacionada à aids diminuiu 33% em todo o mundo desde 2010. Mesmo com esse dado otimista, desde o início da epidemia, em 1980, até 31 de dezembro de 2017, foram registrados no Brasil 327 mil óbitos tendo o HIV/aids como causa básica.

Número de óbitos por HIV/Aids desde o início da epidemia em 1980 (Imagem: Mariana Arrudas)

Ao falar de aids no Brasil a primeira impressão que vem a mente é a de estar informado quanto à doença, e de fato, a maior parte da população sabe que ela existe. Porém, o quadro da infecção continua cercado por desinformação. Não existem muitas campanhas de prevenção e poucos desses métodos são conhecidos. Além disso, pouco se fala sobre como fazer o exame para o diagnóstico e o que acontece se o resultado der positivo.

Quanto às formas de se contrair a doença, em muitos casos são esquecidos os meios de transmissão que vão além de se ter relações sexuais. Seringas ou agulhas infectadas, materiais que podem cortar a pele, contato com o sangue contaminado e até gravidez e amamentação também podem transmitir o vírus.

Por mais que o fato da aids ser uma Doença Sexualmente Transmissível seja conhecido, é preciso lembrar que, atualmente, os jovens iniciam sua vida sexual cada vez mais cedo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um terço da população mundial se encontra na faixa etária entre 10 e 24 anos e é nesta faixa que se encontram metade das infecções por HIV. No Brasil estima-se que quatro milhões de jovens tornam-se sexualmente ativos anualmente.

A falta de informação e a visão de grande parte da sociedade sobre a vida sexual como um tabu, são fatores que agravam essa invisibilidade crescente sobre a doença. Além disso, também faltam investimentos em campanhas de prevenção. A informação não é tão acessível quanto parece ser. 

No entanto, mesmo que o número de infecções tenha crescido, o número de óbitos de aids no país teve uma queda de 16%, segundo o Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2018. Isso se dá porque o tratamento para a doença no Brasil é acessível pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). Ano passado, por exemplo, foi ampliado o acesso à testagem o auto-teste já está disponível em farmácias e pode ser feito em qualquer Unidade Básica de Saúde e reduzido o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento.

O preconceito ainda é atual

Além da desinformação quanto às formas de prevenção e tratamento, o preconceito ainda está presente na sociedade. Rafael Bolacha descobriu ser portador de HIV há 9 anos. Aos seus 34 anos, é ator, produtor e bailarino e utiliza sua visibilidade para discutir o tema. Ele conta como a questão da falta de conhecimento acaba interferindo e trazendo problemas tanto para os profissionais, quanto para quem precisa de ajuda.

“O maior problema é o despreparo dos profissionais da área da saúde. Na infectologia, todos os médicos e profissionais ao redor dessa questão e do atendimento do HIV/Aids sempre me atenderam bem, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. O que acontece é que muitas vezes acabamos tendo que passar com outros especialistas e é aí que começa a situação de preconceito, por falta de informação ou informações equivocadas e erradas vindas dos profissionais”, explica Rafael. 

Ele ainda completa que o preconceito não partia somente de profissionais da área da saúde, mas muitas vezes de pessoas mais próximas. A falta de informação gera ainda mais julgamento, “passei por etapas de preconceito: relações com amigos, com familiares e amorosas. Principalmente pela minha exposição, por ter HIV. Na questão de saúde, as pessoas não sabem lidar, não têm informações atualizadas, por ser uma doença nova, comparada com outras, a aids só tem 40 anos”.

Taxa de detecção de aids, por gênero, no ano de 2017 (Imagem: Mayumi Yamasaki)

O youtuber Gabriel Comicholi, de 23 anos, descobriu ser portador do vírus no início de 2016, e então criou em seu canal uma série de vídeos falando sobre o convívio com o HIV/Aids intitulados “HDiário”. No quarto vídeo da série, Gabriel fala sobre o preconceito e desinformação da parte dos profissionais de saúde. “Fui no médico e ele não me explicou nada do que eu precisava saber sobre a minha doença”, diz o youtuber.

Para o professor Anor Vega, isso está relacionado ao tabu sobre a sexualidade. “A conduta dos profissionais é muito uma moralista. As pessoas vão fazer o exame e recebem um sermão sobre moralidade dos médicos.”

Nicho das campanhas publicitárias

“Hoje em dia, as pessoas não têm muitas informações e discriminam quem tem HIV. Mesmo a pessoa se cuidando e fazendo tratamento, ainda ficam desconfiados por falta de informação”. Este é o relato de Marcelo*, de 22 anos, portador de HIV desde os 18. Marcelo adquiriu a doença através de relações sexuais, e desde então, sente receio e evita qualquer tipo de relacionamento. 

A insegurança para o portador de HIV/aids é sustentada pelo pilar do estigma sobre a doença. O Ministério da Saúde é o órgão responsável por desenvolver campanhas e ações publicitárias para promover ações e conscientizar a sociedade. A cada ano, são desenvolvidas campanhas de comunicação de prevenção contra HIV/Aids e contra DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis). Propagandas e slogans tornam-se intensos na época dessas campanhas, e são intensificados pelo aumento da distribuição de preservativo externo em locais públicos.

O Ministério da Saúde busca, com a divulgação, o combate ao HIV/aids e a disseminação da necessidade de realizar exames. As políticas públicas são objetivas e relacionam situações concretas e cotidianas, como o Carnaval, de forma a trazer a liberdade sexual do evento nos slogans. 

Linha do tempo das campanhas publicitárias no combate ao HIV/aids (Imagem: Sofia Aguiar)

No entanto, o professor Anor Vega comenta que a forma como elas são feitas falha ao conscientizar a população sobre a discussão da doença e, principalmente, sobre os métodos de prevenção. Em análise quantitativa das campanhas, a maioria se dá em época de Carnaval, com uma escassez de discussão no restante do ano. Para o professor, “o Ministério da Saúde está abaixo das expectativas e a demanda por maturidade é muito grande”, e afirma uma incapacidade do órgão em relacionar a necessidade de prevenção com a disseminação do HIV/aids. 

A diminuição de campanhas sobre o assunto, como observado nos anos de 2017 e 2018, é analisada por Beatriz como fruto de uma onda de conservadorismo. Segundo a médica, “muitas políticas públicas voltadas para prevenção perderam investimento. Quando tira investimento em prevenção, acaba se gastando mais com tratamento”. Alimentado pela escassez de publicidade e valorização dos costumes, o tabu e preconceito da doença, segundo Beatriz, existem por tratar-se de uma infecção sexualmente transmissível. E aqueles em situação de vulnerabilidade social são os mais expostos aos riscos e os que possuem menos acesso a informação.

Prevenir é melhor do que remediar

Anor comenta que durante a década de 1990 e o início dos anos 2000, a tecnologia brasileira no tratamento de HIV/Aids era reconhecida mundialmente. O Brasil assumiu um papel protagonista ao ser o primeiro país a oferecer tratamento gratuito e universal pelo SUS. “A tecnologia está disponível, o que não está são as informações. O primeiro passo foi aumentar o acesso ao tratamento, mas e a prevenção?” 

Formas de prevenção contra HIV/Aids (Imagem: Mariana Arrudas)

O professor acredita que uma das principais falhas esteja na educação sexual, não apenas de jovens, mas de adultos também. “Ainda temos uma visão muito opressora sobre a prática e exercício da sexualidade do indivíduo”, ele afirma. Isso acaba tornando até mesmo os ambientes de diagnóstico e tratamento menos receptivos, afastando as pessoas por medo de serem julgadas.

Essa mentalidade moralista pode ser enxergada também no governo atual. De acordo com Anor, as políticas públicas relacionadas à aids sofreram com o sucateamento esse ano. A diretora do Departamento de HIV foi demitida, em janeiro, sob o pretexto de não estar em acordo com os valores da família. “Estamos falando de saúde pública, não de questões religiosas”, ele completa. 

O tabu em torno do tema tem consequências sérias. O professor explica: “As pessoas não sabem todas as formas de prevenção e eu acredito que isso é culpa do Ministério da Saúde. O órgão tem pecado nas campanhas de conscientização”. A população heterossexual pouco conhece sobre a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) e Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), “estão muito nichados na comunidade LGBT”, ele fala. Trazer essa conversa para diferentes públicos é necessário.

Rafael Bolacha concede palestras e visitas a escolas e empresas para conscientizar sobre o HIV e a aids, e fica surpreso com a desinformação. “Eu tento me preparar para algumas questões porque talvez venha uma pergunta elaborada e recente, mas normalmente são perguntas bem básicas. Isso assusta”, ele comenta. 

“Só existe informação se você vai atrás dela”, analisa o artista. No entanto, segundo ele, a conscientização necessária para o HIV/aids vai além da escassez de campanhas publicitárias sobre a doença. Seria mais efetiva a soma do universo da comunicação, a exemplo da publicidade, com o contato com as pessoas. “Penso na comunicação presencial, no ambiente em que se está”.

O professor Anor reitera que apenas a tecnologia não é capaz de mudar o atual cenário brasileiro. “O Ministério da Saúde deve fomentar as empresas para incentivar os funcionários a fazer a auto testagem, disponibilizar exames e permitir que um agente de saúde possa ir lá e organizar palestra”. Para ele, é preciso massificar a discussão, levá-la para as emissoras de televisão e passar a fazer campanhas em todos os momentos, não apenas no carnaval.

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