Com o objetivo de extrair indicadores de desempenho logístico no contexto urbano, um estudo realizado na Escola Politécnica da USP desenvolveu uma abordagem para o processamento de dados do rastreamento de veículos de carga. A partir de bases de dados do GPS de caminhões, foi possível identificar a distribuição temporal e espacial dos veículos e os locais onde há concentração de paradas, além da velocidade por hora e dia da semana. Os resultados podem servir para um melhor planejamento logístico do transporte de cargas em vias urbanas, tanto por parte do poder público quanto do setor privado.
A abordagem foi aplicada a três bases de dados diferentes, contendo a circulação de veículos pela região metropolitana de São Paulo. As bases foram obtidas junto a três empresas privadas distintas, duas grandes redes varejistas (uma de supermercados e outra de farmácias) e a terceira uma provedora de serviços de mapas. Num período de aproximadamente dois meses no ano de 2014, os dados foram captados através de dispositivos GPS instalados nos veículos pelas empresas de transporte de carga e, embora seu uso já seja relativamente comum, sua obtenção para fins acadêmicos não costuma ser tão fácil.
“Pude ter acesso a este tipo de dado quando estava envolvida no Projeto Piloto de Entregas Noturnas em São Paulo”, explica Patrícia Laranjeiro, engenheira civil e pesquisadora da Poli responsável pelo estudo. Coordenado pelo Centro de Inovação em Sistemas Logísticos, o Cislog, e pelo Departamento de Operação do Sistema Viário (DSV) da Prefeitura, o projeto foi implantado em 2014 na capital com o intuito de dar ganho de produtividade a empresas e melhorar trânsito da cidade. “Este acesso costuma ser uma restrição bastante importante para desenvolvimento de qualquer pesquisa, pois pode simplesmente inviabilizar o estudo”.
Segundo a pesquisadora, nos EUA e em muitos países da Europa as informações do rastreamento de caminhões são disponibilizadas para as instituições públicas responsáveis pelo planejamento público do transporte de carga, algo não tão frequente no Brasil. “Há um certo receio do setor privado em compartilhar dados das suas operações”, afirma Patrícia. Embora exijam um esforço maior de padronização e processamento, os dados de GPS dos veículos oferecem maior acurácia com relação à métodos tradicionais (como entrevistas, pesquisas ou diários de bordo), devido à menor ou nenhuma dependência de interação com o motorista.
“Limpeza” de dados
A pesquisadora utilizou diversos procedimentos para aferir a qualidade dos dados e retirar deles os insights necessários. Primeiramente foi necessária uma “limpeza” dos dados num processo chamado data cleaning, retirando erros e incoerências que pudessem distorcer os resultados das análises seguintes. Já o segundo passo foi bastante exploratório, pois trata-se de campo de estudo muito recente, ainda mais no contexto urbano. “Buscamos referências na literatura, trocando também conhecimentos com uma equipe do MIT (Massachussets Institute of Technology) que também estava trabalhando com uma base de dados GPS similar”, relata.
Parte dos resultados e análises da pesquisa foram desenvolvidos conjuntamente em um projeto chamado “High-Resolution GPS Data Analysis of Urban Logistics Activities to Improve Operational Performance and Sustainability of Last-Mile Distribution in São Paulo”, cuja equipe incluiu outros seis pesquisadores da Poli, além da equipe do MIT. “Eles foram essenciais, no sentido de identificar informações que seriam úteis tanto para o poder público (como por exemplo, as vias mais utilizadas por veículos de carga) quanto para o setor privado (como por exemplo, tempo de entrega por ponto de parada e sua variação por dia da semana)”, explica.
Resultados e desdobramentos
Apesar das limitações nos dados disponíveis, o estudo conseguiu identificar as paradas dos caminhões e suas características, tais como a frequência de paradas por veículo e a localização de clusters, ou concentrações de paradas, sendo as mais significativas em Guarulhos e em São Bernardo do Campo (regiões com grande número de centros de distribuição e transportadoras de carga). O trabalho também apresentou um estudo detalhado do perfil de velocidades, incluindo hora e dia da semana, da circulação de veículos em uma importante via arterial de São Paulo, a Avenida Jacu Pêssego.
Para Patrícia Laranjeiro, a pesquisa mostra que mesmo sem dados complementares, ou seja, utilizando puramente os dados GPS já é possível extrair muitas informações úteis tanto no âmbito público, quanto privado. “Com o avanço da tecnologia, tem se tornado mais fácil e barato rastrear qualquer coisa e para as empresas de transporte urbano de cargas isto é cada vez mais comum, tanto por questões de segurança, quanto para ter informações em tempo real de cada entrega. Ou seja, esse é um tipo de dado que já está sendo ‘pago’ pelas empresas e que vimos que pode ser explorado com um novo propósito”, afirma.
Patrícia destaca ainda o potencial dos dados GPS tanto para as empresas de transporte e/ou embarcadores, com o intuito de otimizarem as suas operações, quanto para um melhor planejamento do transporte urbano de cargas pelo poder público, que muitas vezes aplica políticas ineficazes por falta de informação. “O Brasil, e em especial grandes cidades como São Paulo, teriam muito a ganhar com parcerias entre o poder público, o setor privado e a academia nesse sentido, pois as universidades já detêm o conhecimento de pesquisas mais modernas e podem fornecer análises mais assertivas para o governo desenvolver novas políticas”.
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