Pesquisa associa situação socioespacial da Zona Leste a deficiências metroviárias

Pesquisa realizada na Poli-USP indica que moradores de áreas mais pobres têm renda mais baixa e menos acesso ao lazer

Usuários do metrô paulista enfrentam viagens com pouco espaço e conforto. Créditos: Unsplash (www.unsplash.com)

Que moradores da periferia da cidade de São Paulo têm dificuldades de mobilidade urbana para acessar o centro não é novidade para ninguém, mas entender cientificamente essa dificuldade não é algo a que todos já tiveram acesso. Pensando nisso, a pesquisadora da Escola Politécnica da USP, Júlia Cavalcanti, desenvolveu sua dissertação de mestrado Análise de acessibilidade individual de residentes na zona leste do munícipio de São Paulo.

Júlia, que mora no distrito de São Miguel Paulista, na Zona Leste, conta que buscou entender as diferenças e a segregação socioespacial dos moradores da área, e que a pesquisa tem motivação pessoal. “Morava na região da Zona Leste, e fazia faculdade e estagiava no centro de São Paulo. Isso me deixava com a vida muito restrita, em termo de horários e muitas outras coisas”, conta. 

Para Júlia, o método tradicional de pesquisa, que usa de pouco tempo como espaço amostral para dados, não condiz com a realidade dos passageiros, e traz conclusões nem sempre realistas. Ela explica que “muitas pesquisas na área de transportes são feitas com inquéritos nos quais perguntam aos usuários qual foi o trajeto percorrido no dia anterior. Essa abordagem retorna resultados sobrecarregados, e que não refletem o uso cotidiano do transporte.”

A metodologia usada consiste na análise de dados de bilhetagem, ou seja, os dados de uso do Bilhete Único, que indicam origem e destino da viagem na malha metroviária, além do tempo médio que os passageiros permanecem nos locais para os quais se dirigem. Com essas informações, Júlia reconstituiu as viagens diárias de uma amostra constituída por 14 moradores de duas regiões distintas (uma de renda média, Vila Gomes Cardim, e uma de renda baixa, São Francisco Global) ao longo de 77 dias, de forma que pôde obter resultados mais profundos e assertivos. 

Além desses dados, a pesquisadora utilizou uma base de dados estabelecida por outro aluno de mestrado de sua orientadora, que dividia o território de São Paulo em grupos com base em similaridades nos atributos de renda e uso do solo (comércio e indústrias, por exemplo), entre outros. Com essas informações, somados aos dados de bilhetagem, a pesquisadora pôde observar o comportamento dos usuários tomados como espaço amostral 一 lugares que a pessoa frequenta e convive.

A partir desses dados de acessibilidade, Júlia estabeleceu indicadores que medem o quão longe a pessoa vai, a partir da sua origem, e quanto tempo permanece no destino: “Com isso obtive resultados até contra intuitivos. Mesmo os usuários de Vila Gomes Cardim, que vivem próximos ao metrô, não faziam mais de uma atividade por dia, eles só iam para o trabalho e voltavam. Nem mesmo saíam com frequência à noite”.

Na análise de São Francisco Global, a pesquisadora conta que observou uma forte tendência dos moradores a se deslocarem dentro da própria Zona Leste. Júlia explica que em apenas três ou quatro dias observou deslocamentos para fora da região. Ela completa explicando que essa situação de segregação da população promove a manutenção da desigualdade social. “A região de São Francisco Global tem centros comerciais recentes, como shoppings e supermercados. Como as atividades desses moradores se restringem às suas próprias áreas, eles acabam por receber uma remuneração menor, se comparada à dos moradores de Vila Gomes Cardim, que exercem suas atividades no centro da cidade”.

O resultado final da pesquisa, para Júlia, é o oferecimento de dados que, se analisados, permitem a identificação de áreas carentes de investimento em infraestrutura para transportes de massa como o metrô. Ela salienta que “a Zona Leste, apesar de ter uma linha de metrô, não recebe aportes em sua infraestrutura há 30 anos”, e conclui dizendo que sua pesquisa a permitiu pensar a relação entre o transporte urbano, a renda e acesso ao lazer da população.

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