Voltar à cozinha é primeiro passo para vida mais saudável

Trocar salgadinhos e refrigerantes por marmita é melhor para a saúde e o meio ambiente - e mais barato também

É preciso regular o que compramos no mercado - Foto: Reprodução

Salgadinhos, refrigerantes, frituras, bolachas, nuggets congelados, salsicha. Todos esses produtos, marcantes nas prateleiras dos supermercados e do brasileiro, são os chamados ultraprocessados, que contém quase nada de “comida de verdade”. São feitos para trazer o mesmo sabor e aroma de alimentos naturais, mascarados por produtos químicos. E o preço baixo não compensa os riscos à saúde e ao meio-ambiente. 

Os ultraprocessados consumiam, por dia, mais de 20% da dieta do brasileiro, de acordo com dados publicados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares de dez anos atrás. É uma fatia grande, ainda que esteja atrás dos alimentos naturais e menos industrializados. Para a doutora em nutrição Ligia Reis, esse número é preocupante para a saúde pública. 

“Nosso sistema alimentar predominante favorece produção e consumo dos ultraprocessados, grandes problemas para a saúde e a biodiversidade”, explica Ligia, que estudou nutrição na saúde primária. O excesso de açúcar, sal e gorduras saturadas desses produtos apresenta consequências graves ao corpo. Entre elas, estão inclusas doenças como diabetes, cânceres, doenças cardiovasculares e claro, obesidade. 

Esse sistema trouxe a discussão de uma sindemia global, a coexistência de três pandemias: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas, todos com causas em comum. Uma delas são os ultraprocessados, que exigem muitos recursos ambientais na produção e apresentam valor nutricional nulo para o consumidor. 

“Já existem algumas evidências do impacto desse tipo de produto até no sistema nervoso, como o aumento do risco de depressão e interferência na força muscular de idosos”, complementa Ligia. 

O que são ultraprocessados

O Guia Alimentar Para a População Brasileira está disponível gratuitamente na internet – Foto: Reprodução

O Novo Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, divide alimentos em quatro categorias. In natura e minimamente processados são aqueles tirados diretamente de vegetais e animais, com poucas modificações na indústria. O arroz e feijão, a carne grelhada e os legumes são exemplos, e ainda ocupam a fatia maior da dieta diária. 

Os processados, derivados do primeiro grupo, levam adição de um ingrediente culinário. O pão francês da padaria, o atum enlatado e os queijos são dessa categoria. Mas os ultraprocessados entram com um novo modo de produção, sem quase nada do grupo in natura. “É uma série de aditivos que descaracterizam esse alimento, que viram uma formulação industrial e não propriamente um alimento”, explica.

Como sair do ciclo

Rotina pesada, horas em transporte público e pouco acesso a alimentos in natura fazem do consumo de comidas rápidas parte do cotidiano em cidades grandes. O preço para a saúde pode sair caro, mas existem formas de diminuir a participação na dieta. E a primeira é cozinhando. 

“Uma alimentação saudável exige planejamento. É importante, uma das prioridades na nossa vida, precisa encontrar esse espaço”, explica Ligia. Apesar do tempo necessário, poupa o corpo de doenças no futuro e aumenta a qualidade de vida.

“Planejamento de compra, hábitos esquecidos como ir à feira, fazer marmita, técnicas de congelamento do que temos menos tempo ou é mais complexo, como feijão”, exemplifica. Ela também recomenda conhecer as opções perto do trabalho ou de casa, restaurantes por quilo ou popular, feira, e estar de olho nas opções de acesso a alimentação saudável. 

Mesmo em regiões onde não é tão fácil “fazer a feira”, os chamados desertos alimentares, ainda é possível melhorar a dieta. A pesquisadora recomenda pesquisa sobre onde comprar e planejar a semana para realizar as compras do mês ou da semana, e evitar fast foods ou “parar no mercadinho e comprar um pacote de salgadinho, biscoito recheado e refri.”

Ela explica que, além do componente nutricional, ainda é mais barato comer de maneira saudável no Brasil, segundo dados do IBGE. Ou seja, legumes, verduras, ovos e grãos são melhores para a saúde e o bolso. 

“Como agentes de saúde, precisamos ajudar a fazer essa reflexão: quanto estamos dando da nossa renda em alimentos ultraprocessados? É preciso colocar na ponta do lápis e conhecer as opções.” 

Mas o indivíduo não é o único que precisa mudar hábitos. Na cadeia produtiva, a indústria e as políticas públicas têm responsabilidade. A nutricionista acredita em dois motivos principais para o grande consumo desses produtos no dia a dia.

O marketing pesado, desde a publicidade até a organização dos supermercados que podem favorecer a venda, é a primeira causa apontada. “TV, redes sociais, internet, ruas outdoors, ponto de ônibus. É muito poderoso para estimular a população a consumir, é agressivo e age até no nosso subconsciente”, explica. 

Mas o peso da indústria também é um fator importante. A pesquisadora acredita que políticas fiscais são uma maneira de equilibrar as vendas em relação a pequenos agricultores. “Existem incentivos fiscais à indústria de refrigerantes para que o preço seja acessível. Compare com o que um agricultor familiar tem que pagar de imposto.”

Ligia acredita em controle da publicidade e políticas públicas e fiscais. Entre elas, aumentar o imposto de produtos ultraprocessados e incentivos a produtores rurais, disseminar informação na atenção básica de saúde e até mesmo melhora do transporte público. 

“Em alguns bairros de São Paulo como Marsilac e Parelheiros, existem cooperativas familiares que a população não conhece. O marketing é maior que o conhecimento do trabalho desses agricultores, ambiente alimentar que favorece o comportamento saudável”, explica. 

1 Comentário

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*