Terapias usadas no tratamento da gagueira são avaliadas na FMUSP

Programa terapêutico que trata de casos mais graves apresentou melhores resultados.

Programas terapêuticos envolvem literatura, poesia e suporte familiar. (Foto: Alexander Dummer - Unplash)

A gagueira é um transtorno apresentado na fala que pode ser caracterizada por repetições de sons ou sílabas, intrusões e bloqueios. Sua etiologia ainda é um desafio, não se sabe ao certo o que a causa, no entanto, fatores como genética e predominância no sexo masculino são alguns pontos já constatados.

Hoje, inúmeros tratamentos são disponibilizados para mitigá-la ou revertê-la. Por outro lado, o fonoaudiólogo é desafiado para saber qual deles é o mais adequado para o paciente. No caso do público infantil, isso se torna ainda mais difícil, já que há pouco material disponibilizado sobre a qualidade desses métodos.

Ciente desse cenário, Nathália dos Santos Fernandes de Avila, fonoaudióloga e mestre da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), avaliou em sua pesquisa os programas Verde, Amarelo e Vermelho, usados para tratamento da gagueira de crianças.

Alvo de pesquisa de longa data

Durante a graduação, Avila havia feito uma iniciação científica a respeito da gagueira. Na hora de escolher o tema para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), resolveu trabalhar no mesmo assunto, mas buscando identificar a visão que a sociedade e quem apresenta o diagnóstico têm a respeito de pessoas gagas. Foi neste período que a fonoaudióloga recebeu o convite para fazer a seleção de mestrado e resolveu aceitar.

Ao analisar a temática, notou que havia a necessidade de focar na gagueira infantil. “Os artigos sobre o tratamento desse diagnóstico são, em sua maioria, voltados para o público adulto. Até existem alguns falando sobre o tratamento infantil, mas quando comparados são poucos e, no Brasil, menos ainda.”

Protocolos para coleta de dados

Dentro da FMUSP, o Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fluência, Funções da Face e Disfagia (LIF-FFFD) atende pessoas que apresentam dificuldades na fluência da fala, dentre elas, crianças. 

As que ali chegam e têm a confirmação da sintomatologia da gagueira são submetidas primeiramente ao Protocolo de Risco para a Gagueira do Desenvolvimento (PRGD). Trata-se de um questionário composto por 15 perguntas, cujas alternativas possuem pontuações variantes e são determinantes para se saber o risco de persistência do distúrbio.

Em seguida, uma análise é feita sobre o perfil da fala. “São verificados alguns parâmetros, como a tipologia das rupturas e a descontinuidade dela, levando-se em conta o quanto a criança tem dessas interrupções e a porcentagem de rupturas gagas, que são as falhas involuntárias encontradas na fala. Feita essa análise, nós a comparamos com a normalidade, para saber se o paciente possui ou não um distúrbio da fluência”. Explica, a mestre.

Ela destaca que este não é um protocolo que traz o grau de risco da gravidade da gagueira. Por essa razão, o Stuttering Severity Instrument 3 (SSI-3) é utilizado. Nele, são verificados a frequência das rupturas, sua duração e os concomitantes físicos, movimentos não relacionados à fala, mas decorrentes dos episódios de gagueira. A partir disso, ele fornece uma pontuação, classificada em muito leve, leve, moderado, grave e muito grave. Assim, é feita a determinação de qual programa aquela criança vai participar.

Programas terapêuticos

No LIF-FFFD, desde 1999, existem três programas terapêuticos para atender esses casos: o Verde, o Amarelo e o Vermelho. Todos têm como finalidade ofertar orientação familiar para minimizar ou reverter o quadro, sendo que no vermelho e no amarelo há um trabalho mais intenso para que a criança possa vivenciar a fluência.

O primeiro é direcionado para crianças com disfluências comuns, ou seja, que são encontradas na fala de qualquer pessoa. “São crianças que apresentam, em sua maioria, rupturas mais relacionadas ao processamento de linguagem, às imprecisões linguísticas. Os pais fazem três semanas de orientação, em que é falado um pouco sobre o desenvolvimento da fala, da fluência, e das atitudes positivas e negativas que vão estar relacionadas a ela.” 

Após esse acompanhamento, é feito um intervalo de três meses. Neste período, cabe à família colocar em prática o que foi ensinado. Ao final dele, a criança é reavaliada pelos protocolos de perfil da fluência e o SSI-3. 

O segundo já atende aquelas que possuem um risco maior de desenvolver a cronicidade da gagueira, apresentando uma variação entre rupturas comuns e as gagas. Nele, a música e a poesia são aliadas. “Não são atividades que vão efetivamente trazer uma fluência para a fala, porque no momento em que se está cantando ou recitando um poema, uma outra rota cerebral é utilizada, que é diferente da que a fala faz, mas elas são realizadas para que a criança possa experienciar como seria a fluência”, esclarece, Nathália.

Enquanto o terceiro é direcionado àquelas com alto risco de cronicidade e mais velhas, em média com seis anos de idade. As atividades acabam sendo mais específicas e direcionadas para que o pequeno saiba como reagir quando passar por episódios de gagueira. 

Tanto no Amarelo quanto no Vermelho, a duração é de 12 semanas, em que família e paciente participam ativamente para receber as orientações e fazer os exercícios juntos. Sendo que, após a última sessão, o mesmo processo de reavaliação do programa Verde é aplicado.

Os tratamentos foram o foco do estudo e analisados de forma retrospectiva entre os anos 2005 a 2017. O objetivo, de acordo com a mestre, era avaliar e comparar os resultados anteriores e posteriores aos métodos, levando-se em conta, principalmente, a porcentagem de rupturas gagas.

Na conceção de Nathália, a participação da família é fundamental para o tratamento. (Foto: Freepik)

Resultados da análise

Por meio da pesquisa, Avila constatou que nos programas Verde e Amarelo os resultados são alcançados apenas em uma parte das crianças atendidas, o que significa uma nova submissão ao programa ou adesão a outro tipo de tratamento. Para ela, “isso é complicado, porque, apesar de conhecermos os fatores de risco pela literatura, não tem como determinar qual criança vai ou não desenvolver a gagueira.”

Em contrapartida, o programa Vermelho apresentou resultados melhores. Os pequenos que passaram por ele obtiveram, no mínimo, reduções significativas de disfluências. Segundo a fonoaudióloga, “houve um aumento do número de crianças nos graus muito leve, leve e normal. As técnicas de promoção da fluência têm efeitos positivos e os resultados estão relacionados com os estudos de neuroimagem, que mostram que elas conseguem atuar nos fatores temporais, necessários para a produção da fala fluente.”

A pesquisadora acredita que a pesquisa pode ser bastante contributiva para auxiliar fonoaudiólogos e crianças na consolidação do melhor tratamento. Além disso, o conceito da família participativa pode ser disposto em outros programas de patologias fonoaudiológicas, mesmo nos casos de adultos.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*