Brasil tem potencial para quebrar indiferença pelo Oriente Médio

Segundo especialistas da USP, o Brasil consegue gerar influência e mediar conflitos na região sem o uso de armas

Dentre a comunidade internacional, Brasil e Oriente Médio destacam-se pela alta possibilidade e benefício de cooperação política e social (Imagem: Sofia Aguiar)

O Brasil é um dos principais atuantes em tropas para ajuda humanitária no Oriente Médio em situações de conflito. A colaboração auxilia a região e agrega ao País visibilidade internacional como princípio de mediador. O livro Brasil e Oriente Médio: o poder da sociedade civil, organizado pelo Instituto de Relações Internacionais, aborda como a presença do Brasil na região pode ser benéfica e essencial para o crescimento de ambos no cenário político e social.

Em uma junção de três teses, o livro traz artigos de especialistas sobre o Oriente Médio e o relacionamento do Brasil com a região. Álvaro de Vasconcelos, Arlene Clemesha e Feliciano de Sá Guimarães organizam a obra pela necessidade de intensificar um diálogo sobre a forma pela qual o Brasil pode cooperar para a paz, transição e consolidação da democracia no Oriente Médio.

Arlene Clemesha, professora de História Árabe da USP, avalia o Brasil como capaz de gerar influência em outras partes do mundo por sua potência cultural. Segundo ela, o País consegue influenciar outras regiões “não só no tradicional, como por uma intervenção militar, mas [de forma] muito menos direta e perceptível, que pode ser eficaz no sentido de uma tendência democratizante de diálogo.”

Intercâmbio de ideias

Desde a redemocratização brasileira, é analisado que, junto com uma ação do governo, ou até mesmo à frente das instituições, a sociedade civil sempre apareceu em diferentes projetos culturais, econômicos e linguísticos. “Surge a ideia de entender o que a sociedade civil pode contribuir no Oriente Médio, de utilizar de seu soft power.”

Tal termo, citado em alguns momentos no livro, significa o poder de gerar influência não pela ação militar, ou intervenção direta, mas pela ação cultural, de troca subjetiva. Segundo Clemesha, sociedades civis podem ser até mais eficazes que governos por não estarem presos a certas amarras formais. O intercâmbio de ideias ativa a circulação e uma ação a longo prazo. 

“O Oriente Médio é uma região que precisa não ser deixada isolada e, justamente por causa dessas características, é que o papel da sociedade civil brasileira em contato com a local é tão promissor”, aponta Clemesha. Segundo ela, o Brasil e a região partilham dos mesmos anseios, como igualdade, direitos garantidos, liberdade de imprensa e econômica. “Ou seja, as fases e as fundações mais importantes da democracia.”

O livro traz que a democracia existe por influência, mas é preciso que a história dê condições para que esse tipo de governo se instale. Na troca de experiências sobre transições democráticas, instituições sólidas baseadas nos Direitos Humanos e o acolhimento a refugiados, a sociedade civil brasileira é a mais apta e capacitada para desempenhar esse papel. O Brasil deve ser mais ativo mas, para isso, é preciso vencer barreiras de indiferença sobre a região. 

Brasil no mundo

O livro aborda que as relações entre o Brasil e o Oriente Médio devem transcender uma relação bilateral e fazer com que ganhe um espaço público global. Clemesha explica que trazer essa nova lógica fará com que o Brasil assuma um papel de relevo no mundo. “Se o Brasil não tiver qualquer relevância, ele não vai ser requisitado, por exemplo, por uma situação de negociação. Mas construir uma posição de importância significa construir relações com regiões que precisam dessa mediação”.

Ela exemplifica que o Brasil não será um mediador no sentido clássico por não ser uma potência bélica a ponto de mediar conflitos dessa forma. Mas “ele pode mediar no sentido de ter essa influência mais abrangente. Conseguir um lugar no mundo e se construir de forma”.

A partir da capitalização de uma imagem positiva do país junto à positiva opinião pública do Oriente Médio, o país ganha espaço. “Ter uma relação boa estabelecida e com laços coloca o Brasil numa posição de ter alguma influência no mundo”. As redes sociais ganham destaque como ferramentas essenciais de disseminação da notoriedade brasileira da região para o mundo. 

Novos rumos

Clemesha aponta que a tendência democratizante por diálogo e sua postura como mediador clássico estão em transformação no atual governo. Segundo ela, atualmente, “o Brasil tomou outro rumo”. A intensificação de relações bilaterais com os Estados Unidos faz com que o País esteja “construindo em um lugar ao lado deles. Incondicional, praticamente”, e gera dúvidas sobre qual lugar o Brasil vai ocupar no mundo.

“Não vai ser um lugar autônomo, mas um lugar de seguir os Estados Unidos. Construir um lugar autônomo significa ter uma boa relação de relevância no Oriente Médio”. Ela entende que o País está se comportando de forma estável sendo apenas aliado dos Estados Unidos, mas essa característica não faz o Estado Brasileiro um bom mediador. 

O patriotismo planetário e a promoção de ideais de humanidade comum esbarram em outro tipo de liderança brasileira. “O Brasil não tem opção autônoma mais com esse tipo de liderança. Não é o contexto dos últimos 20 anos, é outro que está se criando”, aponta Clemesha. 

As semelhantes experiências históricas e a construção de instituições sólidas fazem o País mais preparado à cooperação de conflitos e transições democráticas no Oriente Médio, mas uma nova perspectiva se forma. O Brasil ainda é um ator desejado em tratados de paz, e para isso, segundo o livro aponta que é necessário que as relações internacionais se estabeleçam na produção acadêmica nacional para tirá-lo de sua timidez e fazer com que ele se construa sob um lugar autônomo como poder de influência e ajuda. 

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