A emergência do documentário periférico no audiovisual brasileiro

Estudo de análise crítica de mídia da Universidade de São Paulo destacam o surgimento de novas vozes documentais, a partir de produtores periféricos.

Imagem: Divulgação / Espero tua (re)volta

O artigo Culturas juvenis e crítica social: vozes periféricas em documentários brasileiros, escrito pelos pesquisadores da Escola de Comunicação e Artes (ECA), Rosana de Lima e Thiago Venanzoni, analisam de maneira crítica um novo nicho no audiovisual brasileiro: os documentários de produção periférica. Thiago e Rosana estudam duas produções: Slam: Voz de levante (2018), sobre os grupos de poetry slam (batalhas de poesia performática), e Espero tua (re)volta (2019), retratando a ocupação de escolas pelo movimento estudantil  em 2015. 

Os autores fazem parte do grupo de pesquisa MidiAto da Universidade de São Paulo (USP), de linguagem e práticas midiáticas. O artigo é um subproduto da tese de Thiago, Diversidade social e políticas culturais: práticas discursivas e coletivas no audiovisual brasileiro contemporâneo, e surgiu em parceria com um grupo de pesquisa de antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Imagens, Metrópoles e Culturas Juvenis

Thiago e Rosana não focam na questão visual dos documentários – o mais comum em análises críticas da área de audiovisual – mas, sim, na questão da voz dada e reclamada por estes grupos. O objetivo do artigo foi privilegiar a dimensão das vozes na linguagem documental. 

A ênfase dada à  voz e à enunciação procura entender o lugar de onde o sujeito fala e de onde ele parte – a tão discutida questão do lugar de fala. “De alguma maneira esses documentários partem de um lugar simbólico, mas um lugar físico também, um lugar material. E a partir disso, a gente vai elaborando essa análise das vozes desses documentários”, afirma Thiago.

Thiago cita que a questão que chamou atenção para estas produções em específico foi o que as distinguiam das produções convencionais. Sua experiência como docente de audiovisual levou-o a contemplar esse tema. “Muitos dos meus alunos são oriundos ou moradores das regiões periféricas de São Paulo e região metropolitana. Via as formas de organização deles, a quantidade imensa de produções”, diz. “E o porquê desses curtas e produções documentais, ficcionais, não entrarem em um certo circuito sempre me incomodou muito. O porquê dessa produção não ter circulação ou estar em um campo de visibilidade”.

Dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine)  mostram que houve um aumento de produção documental no Brasil de 2017 a 2020, o período em que os documentários analisados foram feitos. Thiago explica que o motivo foi um maior investimento na linguagem documental, com o lançamento de editais, e a maior circulação, com festivais e circuitos específicos para essas produções. 

A produção audiovisual no Brasil ampliou consideravelmente nos últimos 10 anos, mas, para Thiago, ainda carece de maior democratização: “É um campo ainda muito demarcado por questões de qualidade que são questões muito elitizadas”, opina. “É um espaço mais amplo do que já foi, mas ainda um espaço para poucos”.

A emergência de novos tipos de documentário no audiovisual aumenta a pluralidade de vozes nessa área. “A diversidade ajuda a gente a sair de uma unificação. A definição do que era a identidade nacional ficava sempre muito restrita a um pensamento do homem branco, olhando a sociedade brasileira e criando”, lembra Thiago. 

Ambos os filmes foram distribuídos pela empresa de impacto social Taturana, que promove sessões em escolas, faculdades, coletivos, organizações não-governamentais e espaços públicos. A circulação de Slam no circuito de poetry slams e de Espero tua (re)volta em escolas públicas gerou impactou os movimentos de várias formas. “É um engajamento ativo nessas produções e isso gera, de uma maneira, um movimento político localizado de fortalecimento daqueles grupos ali representados. No slam isso é muito presente, os slams vistos no filme se tornam mais autoconfiantes”, explica Thiago. 

Vale notar que essas produções também  diminuem estigmas contra a periferia. “Quando você tem uma maior pluralidade, diversidade de produções e novas vozes atuantes nesse campo de produção, você tem novas formas de representação”.

Atualmente, há pouco estímulo às produções audiovisuais brasileiras e muito menos às periféricas. Mas Thiago explica que auxílios regionais e municipais, assim como editais simplificados, podem ajudar sua continuidade. 

O artigo de Thiago e Rosana foi apresentado na Compós, a Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação. A tese de Thiago que originou o texto foi indicada como melhor tese no encontro, além de estar concorrendo ao prêmio Capes, Intercom e Teses USP.

O artigo estará disponível para aquisição em um ebook internacional lançado no segundo semestre de 2022, vinculado ao Conselho Internacional Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso), pela editora Educ.

 

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*