Algumas linhas de estudo apontam que viabilizar o acesso a internet seria suficiente para reduzir a desigualdade digital brasileira. Desde 2016, o país apresenta um alto crescimento na produção de smartphones, registrando um aumento de 147%, segundo dados do IBGE. No entanto, em um estudo avançado realizado na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP (FEA), o pesquisador Marcelo Henrique de Araujo comprovou que promover o acesso à internet é apenas um passo em direção a igualdade digital.
Desigualdade entrou no grupo
Para iniciar a pesquisa, foi necessário classificar os tipos de usuário conforme suas habilidades. Marcelo queria descobrir como cada pessoa lidava com as principais dimensões digitais, sendo elas: sistema operacional, informacional, comunicação e criação de conteúdo.
Seguindo essa linha, foi possível identificar quatro tipos de grupo: limitante, amplo, social e instrumental. “Ao definir conjuntos de usuários, é possível entender quais serão suas necessidades e quais habilidades eles precisam desenvolver. Assim, é mais fácil direcionar os esforços para minimizá-las”, explica Marcelo.
O grupo dos limitantes foi o que apresentou os resultados mais críticos. Os selecionados eram geralmente das classes sociais D ou E e tinham um menor nível de escolaridade. Essas variáveis contribuíam para que o grupo tivesse baixo desempenho nas cinco dimensões digitais. “Mesmo que eles estejam superando a barreira de acesso, não necessariamente estão aproveitando esse benefício”, completa.
Para os usuários considerados amplos, o resultado foi o oposto. O alto nível de escolaridade e a boa situação sócio econômica contribuíram para um alto nível de habilidade em todas as dimensões. “Aqueles que já estavam bem economicamente utilizavam os benefícios justamente em ações que realizavam a manutenção dessa riqueza, como investimentos, educação e informação”.
Os grupos instrumentais e sociais apresentaram resultados curiosos. O primeiro era composto basicamente por adolescentes de 10 a 15 anos que apenas usavam o celular para comunicação. Já os instrumentais apresentavam idades de 16 a 34 e desenvolviam habilidades comuns a práticas de trabalho. “Este grupo apresentou a maior habilidade de busca de informação e de criação de conteúdo. Eles estão na faixa produtiva e se adequam mais a parte prática”.
Você foi removido
Quando se busca analisar de modo aprofundado as desigualdades digitais, é preciso se atentar para três aspectos importantes: acesso, habilidade e autonomia. Segundo o pesquisador, esses seriam os três pilares para definir a exclusão digital brasileira.
O dispositivo usado pelo usuário também tem grande importância para definir a qualidade da navegação. A pesquisa identificou que os grupos que usavam majoritariamente o celular para acessar a internet apresentavam baixo nível de habilidade, especificamente informacional. “Hoje em dia com o smartphone você consegue fazer várias coisas, mas também existem limitações. Quanto pior a condição financeira do usuário, menos funcionalidades o dispositivo vai ter. Não podemos considerar que todos terão o celular do ano”.
Outro aspecto importante é a autonomia. Diferente de um usuário privilegiado, alguns grupos dependem de políticas públicas para ter acesso a rede Wi-Fi em praças ou locais de distribuição gratuita. “Esse usuário pode não estar restrito ao acesso, mas está com a liberdade limitada a um determinado local e dispositivo”.
Afirmar que a nova geração já nasceu conectada é um grande equívoco. As desigualdades sociais ultrapassam barreiras virtuais e a considerar pela situação econômica e principalmente escolaridade, não se pode fazer generalizações. “Achar que só porque a pessoa é jovem vai se virar e resolver ou que eles são nativo digital e que nascem entendendo tudo não é verdade. Isso não se mostrou em nenhum momento através dos nossos dados”, conclui Marcelo.
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