O reflexo da desigualdade social na utilização dos recursos da internet

Pesquisa da FEA aponta discrepância na funcionalidade da internet ao analisar diferentes tipos de usuário

(Arte por Gabrielle Torquato)

Algumas linhas de estudo apontam que viabilizar o acesso a internet seria suficiente para reduzir a desigualdade digital brasileira. Desde 2016, o país apresenta um alto crescimento na produção de smartphones, registrando um aumento de 147%, segundo dados do IBGE. No entanto, em um estudo avançado realizado na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP (FEA), o pesquisador Marcelo Henrique de Araujo comprovou que promover o acesso à internet é apenas um passo em direção a igualdade digital. 

Desigualdade entrou no grupo 

Para iniciar a pesquisa, foi necessário classificar os tipos de usuário conforme suas habilidades. Marcelo queria descobrir como cada pessoa lidava com as principais dimensões digitais, sendo elas: sistema operacional, informacional, comunicação e criação de conteúdo.

Todas as informações foram analisadas a partir da pesquisa TIC Domicílios coordenada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação
(Reprodução -NICbrvideos)

Seguindo essa linha, foi possível identificar quatro tipos de grupo: limitante, amplo, social e instrumental. “Ao definir conjuntos de usuários, é possível entender quais serão suas necessidades e quais habilidades eles precisam desenvolver. Assim, é mais fácil direcionar os esforços para minimizá-las”, explica Marcelo. 

O grupo dos limitantes foi o que apresentou os resultados mais críticos. Os selecionados eram geralmente das classes sociais D ou E e tinham um menor nível de escolaridade. Essas variáveis contribuíam para que o grupo tivesse baixo desempenho nas cinco dimensões digitais. “Mesmo que eles estejam superando a barreira de acesso, não necessariamente estão aproveitando esse benefício”, completa. 

Para os usuários considerados amplos, o resultado foi o oposto. O alto nível de escolaridade e a boa situação sócio econômica contribuíram para um alto nível de habilidade em todas as dimensões. “Aqueles que já estavam bem economicamente utilizavam os benefícios justamente em ações que realizavam a manutenção dessa riqueza, como investimentos, educação e informação”. 

Os grupos instrumentais e sociais apresentaram resultados curiosos. O primeiro era composto basicamente por adolescentes de 10 a 15 anos que apenas usavam o celular para comunicação. Já os instrumentais apresentavam idades de 16 a 34 e desenvolviam habilidades comuns a práticas de trabalho. “Este grupo apresentou a maior habilidade de busca de informação e de criação de conteúdo. Eles estão na faixa produtiva e se adequam mais a parte prática”. 

Você foi removido  

Quando se busca analisar de modo aprofundado as desigualdades digitais, é preciso se atentar para três aspectos importantes: acesso, habilidade e autonomia. Segundo o pesquisador, esses seriam os três pilares para definir a exclusão digital brasileira. 

O dispositivo usado pelo usuário também tem grande importância para definir a qualidade da navegação. A pesquisa identificou que os grupos que usavam majoritariamente o celular para acessar a internet apresentavam baixo nível de habilidade, especificamente informacional. “Hoje em dia com o smartphone você consegue fazer várias coisas, mas também existem limitações. Quanto pior a condição financeira do usuário, menos funcionalidades o dispositivo vai ter. Não podemos considerar que todos terão o celular do ano”. 

Outro aspecto importante é a autonomia. Diferente de um usuário privilegiado, alguns grupos dependem de políticas públicas para ter acesso a rede Wi-Fi em praças ou locais de distribuição gratuita. “Esse usuário pode não estar restrito ao acesso, mas está com a liberdade limitada a um determinado local e dispositivo”. 

Afirmar que a nova geração já nasceu conectada é um grande equívoco. As desigualdades sociais ultrapassam barreiras virtuais e a considerar pela situação econômica e principalmente escolaridade, não se pode fazer generalizações. “Achar que só porque a pessoa é jovem vai se virar e resolver ou que eles são nativo digital e que nascem entendendo tudo não é verdade. Isso não se mostrou em nenhum momento através dos nossos dados”, conclui Marcelo.

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