Filosofia de arte marcial chinesa vai além da prática esportiva

O Wing Chun, abordado em disciplina na USP, aflora expressão da sensibilidade humana e deve ser encarado como estilo de vida

Aplicação de golpes do Kung Fu. (Imagem de Marvin Rheinheimer por Pixabay).

Na China Antiga, o conflito é visto de um ponto filosófico. Não é em vão que Sun Tzu, seu expoente quanto à estratégia de guerra, é um filósofo. Para o professor Walter Roberto Correia, responsável pela disciplina “Arte Marcial Chinesa: cultura e movimento” na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, a prática corporal do Wing Chun (ou Ving Tsun) se instaura em uma luta simbólica.

As técnicas milenares chinesas de arte e estratégia da guerra são um modo de trabalhar a essência humana e a relação com o outro, não se dimensiona o combate apenas pelo combate. O Ving Tsun é uma forma de Kung Fu e traz consigo diversos simbolismos. “A arte ou experiência de combate deve ter limites e uma ética para provocar a consciência. É simbólica, porque não podemos levar às últimas consequências, pois isso seria um problema ético e moral em relação à vida”.

Vencer sem uso da força

Walter explica que nos tratados antigos de guerra existia o conceito de “feminino de guerra”, que significa ter estratégia para vencer sem lutar ou para gerir seus recursos no momento do conflito. Essa dimensão de feminino vem da polaridade Yin dentro da cultura chinesa, em que se valoriza o receptivo e o oculto por meio da antecipação e da sensibilidade.

Esse modo de ação é possível quando se observa atentamente os movimentos do adversário para usá-los em seu benefício. “O equilíbrio é um exemplo de procurar vencer sem usar a força e sem impor sua vontade. Significa tirar proveito do que meu complementar me oferece”.

Em sua narrativa mítica de origem, o Ving Tsun foi criado por uma mulher e, por isso, carrega o conceito do polo Yin, em que se busca a harmonia das forças e a utiliza como recurso de antecipação. A ideia está ligada em compreender o contexto, seja histórico-social ou individual, para decidir agir. 

Experiência contínua

Walter Correia: “Não se ensina a lutar, se aprende Kung Fu”. (Imagem de domínio público por Pixabay).

A mediação por um mestre é importante porque a relação ultrapassa os limites de uma instituição e o tempo das aulas. Segundo o professor, o Kung Fu pode ser aprendido em diversos contextos da vida cotidiana. “A convivência com o mestre é o método para ampliar sua utilização dentro da vida pessoal a fim de favorecer o desenvolvimento humano”.

Como experiência de combate simbólico, seu objetivo é trazer para o consciente os aspectos relativos à sensibilidade humana. Desse modo, sua aprendizagem está em “tocar o outro de verdade e ser tocado de verdade”. Por essa necessidade de construção da consciência, o Kung Fu não se restringe às lutas. Ele está em todas as ramificações do dia a dia. “Não estamos falando apenas de esporte, mas de um sistema corporal para desenvolver nosso senso de humanidade”.

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