Acordo de Paris: recuperação florestal pode ser a chave para o cumprimento das metas

Em épocas tão obscuras para debater meio ambiente, literalmente, se relembrar o céu preto em São Paulo em agosto deste ano, há quem esteja se perguntando onde estariam as metas pretendidas pelo Brasil no Acordo de Paris em 2015.

Arte por Gabrielle Torquato

Na 21ª Conferência das Partes (COP21), 195 países adotaram o compromisso de reduzir consideravelmente a emissão dos gases estufas e, desse modo, desacelerar o aquecimento global.  A fim de analisar o potencial brasileiro no cumprimento das metas do Acordo de Paris, a pesquisadora Carolina Cristina Fernandes, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA), realizou um estudo avançado sobre a articulação da governança brasileira e sua influência nas chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC na sigla em inglês).

Infografia por Gabrielle Torquato

A pesquisa pode constatar que apenas a redução do desmatamento e a recuperação florestal seriam responsáveis por reduzir 37% do volume de CO², além de apresentar custos mais baixos. “Essas medidas são mais viáveis financeiramente, pois não requerem tanta tecnologia, como seria caso optássemos por alterar nossa energia e agricultura. Para substituir um combustível fóssil por uma energia limpa requer mais investimento do que plantar uma árvore”, comenta Carolina.

 A NDC brasileira trazia oito metas, dentre elas zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e o fortalecimento do Código Florestal. Mas, para a pesquisadora, existem três pilares que vem dificultando o processo: governança precária, falta de financiamento e pouco diálogo com os proprietários das terras. 

A governança somos nós

 O estudo mostra que a governança ideal não é composta apenas pelo governo. As ONG’s, biólogos, cooperativas e sociedade civil também são fundamentais para o processo. Entretanto, seria papel do Estado realizar a articulação entre todos esses níveis de governança. “É possível notar, até pelos fatos mais recentes, que o governo não conversa com a academia e não busca diálogo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mesmo sendo uma instituição renomada. Falta um arranjo entre todos esses agentes para fluir”, comenta. 

A ação das ONG’s, por exemplo, seria essencial na captação de recursos e monitoramento. Elas têm sido, inclusive, o ponto chave do processo de aproximação desses programas com a sociedade e contribuído com a conscientização. Segundo dados do IBGE publicados neste ano, em 2016 existiam 15.919 fundações e associações sem fins lucrativos na região amazônica, abrangendo os estados da região norte do País. 

Contudo, para a pesquisadora a parte mais complexa do processo estaria em incluir os proprietários de terras. Por uma questão financeira, muitos recusam-se a respeitar o Código Florestal ou iniciar um processo de reflorestamento em áreas desmatadas. “A curto prazo você desmata, planta, vende e tudo bem. Mas com o tempo os custos serão altos”. 

Grande parte do desmatamento no Brasil, é realizado por fins econômicos, visando a utilização do solo para a criação de gado ou plantações. O grande desafio, nesse contexto, está em estabelecer um diálogo capaz de alertar sobre os riscos e consequências do desflorestamento. “ A temperatura e regulação hídrica são essenciais para a agricultura, mas são bens finitos e dependem da preservação das florestas”, indaga a pesquisadora. 

(Falas comuns entre proprietários de terras degradadas, segundo a pesquisa / arte por Gabrielle Torquato)

Floresta em pé também é ganho econômico 

Um conceito muito conhecido em economia é a necessidade de gerar empregos para aquecê-la. No entanto, no trimestre de fevereiro a abril deste ano, o Brasil apresentava um índice de 13,2 milhões de pessoas desempregadas, segundo dados do IBGE. 

Uma área pouco falada e com grande potencial para geração de emprego está no setor de produção de sementes e mudas. A proposta da pesquisadora é aquecer esse serviço e gerar uma maior demanda por parte do governo, que estaria atuando na restauração florestal. “Atualmente não temos um estoque para realizar toda recuperação necessária, o objetivo é que o aumento da demanda seja o que falta para que essa roda de produção comece a girar”

Um outro viés também importante para a economia está na geopolítica. Cada vez mais os países vêm se preocupando com a questão ambiental, sendo de extrema importância manter uma boa impressão nesse quesito. Carolina acredita que com a adequação do Brasil aos parâmetros ambientais, as exportações e acordos nacionais terão maiores chances de acontecer. 

O comprometimento do Governo com a causa ambiental deve ser mantido mesmo com a mudança partidária, pois o êxito depende da continuidade. Teoricamente, não existem penalizações formais, caso o Governo vigente não tenha como prioridade o cumprimento do acordo, mas consequências devem ser esperadas. “É uma perda indireta, porque reflete nos contratos comerciais. Um exemplo atual é a o acordo do Mercosul com a União Europeia estar desestabilizado em razão da questão ambiental brasileira”. 

Arrumando a bagunça

Como proposta, Carolina sugeriu a criação de uma Agência Reguladora das Mudanças do Clima (ARMC). Com o objetivo de cumprir o Acordo de Paris por meio de soluções já existentes, a empresa estaria diretamente vinculada ao Ministério da Casa Civil.

A fundação da ARMC seria o equivalente para resolver os problemas de governança, citados anteriormente. Mediante a metas e indicadores de monitoramento, a estatal agiria ativamente na restauração, recuperação e reflorestamento de áreas degradadas, visando a remoção de gases de efeito estufa da atmosfera. 

(Estrutura da ARMC – Gabrielle Torquato)
*LULUCF – do inglês: Land Use, Land-Use Change and
Forestry ( Tradução livre: Uso da terra, Mudança do uso da terra e Silvicultura)
*Planaveg – Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa

Todavia, após dois anos, é recomendado que a ARMC se transforme em Autoridade Nacional das Mudanças no Clima (ANMC). Seria uma empresa com os mesmos objetivos e missão, mas com ligação ao governo federal e o Presidente da República, que por sua vez ficaria responsável por nomear profissionais competentes e com capacidade técnica para assumir os cargos.   

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