Relação entre suicídio por contágio e mídia deve sair do senso comum

Ideia de que falar sobre suicídio nos meios de comunicação gera outras mortes precisa levar outros aspectos em consideração, aponta estudo

Notícias humanizadas contribuem para gerar conscientização acerca do suicídio (Imagem: Rafael Sica)

A relação entre suicídio por contágio e meios de comunicação deve ser compreendida a partir de muitos fatores. É o que diz Esther Hwang, cuja pesquisa feita no Instituto de Psicologia (IP-USP) buscou desmistificar a crença de que falar de suicídio nos meios de comunicação pode influenciar outras pessoas a o cometerem. Ao entrevistar cinco jornalistas da cidade de São Paulo, a psicóloga trouxe outro olhar sobre o tema e traçou alguns aspectos que devem ser levados em consideração associados ao escopo midiático.

Um deles seria entender elementos sócio-históricos da cultura em que os casos estão inseridos e o fascínio que é estruturado por parte da mídia em torno de espaços públicos de interrupção de vida. Existe um diálogo que é estabelecido entre sujeito, cidade e suicídio que os meios de comunicação romantizam e, de certa forma, criam um espetáculo em torno do fenômeno. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Golden Gate se tornou um marco pela recorrência de suicídios em que lá ocorrem todo ano, a ponto de ser palco de muitos documentários que buscam registrar isso. Esther questiona: “O que tem naquela ponte que tanto atrai as pessoas? Não acho que é só a divulgação da mídia, tem um aspecto muito maior, como a história da ponte e a simbologia que ela conquistou”. Em São Paulo, o transporte público metropolitano também é pintado com certo apelo.

Outro aspecto a se considerar é o de identificação, em especial quando os suicídios noticiados são de celebridades ou personalidades famosas. O que acontece, de acordo com Esther, é que, ao aproximar a própria imagem a de algum personagem, existe uma busca interna por se reconhecer como ele. Ou seja, projetam-se sentimentos, ideologias, estilos, atitudes – inclusive o próprio suicídio – nos campos psicológicos, sociais, emocionais, materiais. Esther exemplifica o caso de Marilyn Monroe: após sua morte por overdose, houve um aumento de 12% nos suicídios nos Estados Unidos e cerca de 200 mortes diretamente ligadas à atriz, sendo a maioria de mulheres, jovens e loiras que aparentavam ter se espelhado no modo de vida dela.

Por outro lado, ao ponderar sobre o suicídio de Kurt Cobain, fundador da banda Nirvana, nota-se que sua morte não foi tão “contagiosa” quanto a da atriz, embora ele fosse igualmente popular. Esther questiona: “O que acontece que algumas pessoas são influenciadas pela Marilyn Monroe e outras não são pelo Kurt Cobain?”. Para explicar isso, a psicóloga entra em outro aspecto: a forma com que notícias sobre suicídio são escritas e veiculadas.

Esther diz que o fenômeno é, muitas vezes, noticiado com muitos detalhes e isso não gera uma conscientização pública. Pelo contrário, a forma com que os suicídios são informados é uma das principais responsáveis por esse suposto contágio: “O ideal seriam reportagens menos calcadas em fatos, sem fotografias e aspectos da vida e da morte do falecido que a família não quer. Assim, seria mantido um respeito ético e a função conscientizadora que tais reportagens teriam”.

Ela elabora críticas, também, ao ato de evitar falar de suicídio nos veículos de comunicação. “Existe uma cartilha feita pela Organização Mundial da Saúde direcionada aos profissionais de mídia sobre como eles podem noticiar o suicídio nos meios de comunicação. Querendo ou não, ela trata o suicídio como um tabu, e precisamos encontrar outras formas de falar dele, porque precisamos falar dele”, argumenta.

Esther ainda propõe uma reflexão acerca de qual é o papel do público enquanto consumidor de situações sensacionalistas. Um dos maiores problemas está na disseminação de imagens violentas, normalmente feitas por usuários da internet que não têm a conscientização ética que o jornalismo exige. Ou seja, ao mesmo tempo em que se considera a mídia como uma importante peça, deve-se inserir também nesta lógica o consumo de conteúdo sensível, como imagens e detalhes que pouco agregam em termos de valor-notícia.  

A psicóloga alerta sobre como esse jogo de causa e consequência estabelecido entre mídia e suicídio é muito perigoso. Por existir essa barreira que impede a discussão sobre o fenômeno, cria-se uma lógica simplista que limita não só o diálogo, mas o entendimento sobre ele. Ela diz: “Existe um tabu em torno do suicídio que foi criado sem que pudéssemos entender ele mais a fundo. Precisamos abrir para discussão e olhar outras possibilidades, já que a ideia de contágio é muito enrijecida. Não existe uma única resposta”.

 

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