Estudo valoriza as marcas de Tom Zé na Tropicália

Pesquisa desenvolvida no Instituto de Estudos Brasileiros busca analisar as marcas do artista na Tropicália, e as características do movimento na carreira do cancionista

Imagem: Reprodução ©André Conti

Ouve-se muito sobre o movimento da Tropicália, mas não tanto sobre um de seus mais importantes artistas: Tom Zé. Não tão citado e reverenciado como Caetano Veloso e Gilberto Gil, alguns dos colegas com quem assinou o disco-manifesto de 1969, Tropicália ou Panis et Circencis, o cancionista é considerado uma das figuras mais importantes da música popular brasileira. Apesar de ser alvo de questionamentos sobre seu papel como tropicalista, Tom Zé “tematiza a Tropicália em suas obras dos anos 2000 […], e não somente em seu disco de 1968, mas sua atitude, suas entrevistas para a imprensa e seus textos da época fazem parte da história da Tropicália.”, afirma Patrícia Anette, como um dos entendimentos de sua dissertação “Três ensaios sobre a Tropicália de Tom Zé: da ‘Era dos Festivais’ à ‘Era dos Editais’” .

Foi a partir de uma feliz coincidência que Patrícia se inspirou para pesquisar sobre a Tropicália presente na obra do baiano. Enquanto a doutoranda em Literatura Brasileira escrevia sobre um antigo álbum do artista, e comparava suas composições com a poesia antropofágica de Oswald de Andrade, o compositor lançou, em 2012, o álbum Tropicália Lixo Lógico. Ao apresentar as canções, trazia o discurso de que as pessoas exageram em relação a influência que o poeta modernista teria exercido para o surgimento da Tropicália e na comparação entre os dois movimentos.

De fato, a relação entre os dois movimentos culturais está presente em diversos estudos sobre o Tropicalismo. “O próprio Caetano Veloso fala dessa influência no seu livro “Verdade Tropical”, que ficou como referência sobre a história desse grupo de cancionistas”, exemplifica a pesquisadora, ao contar que, após se deparar com o conteúdo de Tropicália Lixo Lógico, se interessou em entender o que era esse movimento artístico para Tom Zé.

Patrícia explica que dividiu sua dissertação em três momentos da carreira do artista: “ O primeiro momento é quando ele lança seu primeiro LP, Grande Liquidação, em 1968”, época em que participou das movimentações tropicalistas, se envolvendo no disco Tropicália ou Panis et Circencis. “O segundo momento é bem mais adiante no tempo, no ano de 2003, quando ele lança um livro que compila as letras das canções, alguns textos publicados na imprensa, e um relato autobiográfico, o livro Tropicalista Lenta Luta. E finalmente, estudo um último momento, em 2012: seu disco Tropicália Lixo Lógico”, conclui.

Para não deixar nenhum detalhe de lado, a pesquisa partiu de diversos pilares: trabalho de campo em Salvador e Irará, cidade onde o artista nasceu, e a análise do relato autobiográfico, discos, canções e matérias de jornais e entrevistas no período de 1960 até 2018. Além de envolver uma revisão bibliográfica não apenas sobre a obra de Tom Zé, mas também sobre a Indústria Cultural e o mercado fonográfico no Brasil. Toda essa riqueza de fontes resulta num estudo completo sobre um dos maiores artistas brasileiros dos últimos tempos.

 Além de tratar da arte engajada de Tom Zé, o estudo também traz análises pertinentes a respeito do mercado da música no Brasil, abrangendo as condições de trabalho dos artistas. Suas carreiras musicais acompanham a história do mercado fonográfico: Patrícia explica que após a chamada “Era dos Festivais”, – como o musicólogo Zuza Homem de Mello se referiu aos festivais de MPB que agitavam o cenário musical na década de 1960 –, o mercado teria migrado para a “Era dos Editais”. “Não somente Tom Zé, mas Gal Costa, Milton Nascimento, Maria Bethânia, Jards Macalé, Elza Soares, e outros cancionistas que começaram a gravar nas décadas de 1960 e 1970 passaram pela crise do mercado fonográfico nas décadas de 80, 90 e concorreram a editais de financiamento público-privado nas últimas décadas”.  

Após vencer o IV Festival de Música Popular da TV Record Tom Zé conquistou sucesso com o lançamento de seu disco, evidenciando a importância dos Festivais na época. Já em 2012, a vitória do Edital Natura Musical possibilitou que o artista gravasse o Tropicália Lixo Lógico, por via da Lei Rouanet, que permite que empresas revertam seus impostos em investimentos culturais.

Observa-se, hoje, que dispositivos de financiamento como estes são um dos principais alvos das críticas do partido do atual presidente do país, e parecem cada vez mais ameaçados, dificultando o trabalho da classe artística. Sobre isso, Patrícia pontua: “É possível que estejamos encarando, hoje, o fim disso que chamei de “Era dos Editais”. O mercado fonográfico não-hegemônico, ou o que chamamos de música independente, deve se reconfigurar se isso acontecer”, conclui.

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