Países da América Latina são os mais dispersos em votações do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Suíça. Foto: Selma Okic/ONU

Dentre todos os grupos regionais da ONU, o de países latino americanos e caribenhos foi o que votou de forma mais difusa no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Foi isso que Carolina Nakamura concluiu em sua pesquisa. Sua dissertação de mestrado, produzida no Instituto de Relações Internacionais, foi orientada pelo professor Pedro Feliú Ribeiro e intitulada “Posicionamento, participação e direitos humanos: o grupo regional da América Latina e do Caribe no Conselho de Direitos Humanos da ONU”.

Os 193 países-membros da ONU são divididos em cinco grupos regionais, e cada grupo atua nos múltiplos conselhos do órgão. O Grulac (Grupo Regional da América Latina e do Caribe) é a associação dos países latino americanos e caribenhos, formado por 33 nações. Entre os conselhos no qual atua, está o Conselho de Direitos Humanos da ONU, onde possui oito dos 47 assentos (que dão direito a voto para aprovar ou negar resoluções).

Os 33 países-membros do Grulac. A Guiana Francesa não compõe o grupo por ser um território ultramarino da França. Imagem: Wikipedia.

O Conselho

Carolina Nakamura define o Conselho como “um órgão intergovernamental subsidiário da Assembleia Geral”. Ele é formado por 47 membros, eleitos para um mandato de três anos. Se reúne três vezes ao ano, sempre em Genebra, Suíça, podendo convocar sessões especiais em caráter de urgência. Os países são escolhidos por voto na Assembléia Geral da ONU, respeitando a divisão por grupos regionais.

O propósito do Conselho é promover e proteger todos os direitos humanos pelo mundo, abordando situações de violações dos mesmos e realizando recomendações para esses casos, por meio de resoluções. Qualquer país da ONU pode propor ou copatrocinar resoluções, mas apenas os membros do Conselho possibilitam sua adoção, por consenso ou voto.

O órgão foi criado em 2006 para substituir a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, e Carolina explica que o Grulac teve um papel ativo na sua fundação, a partir do trabalho do Brasil: “ [o Brasil] foi um dos países que mais atuou no Conselho como membro e um dos que mais submeteu resoluções. Além da participação ativa no órgão, o país é reconhecido como um interlocutor no sistema multilateral”.

Um elemento importante do Conselho é que, para ser um membro do mesmo (e, portanto, ter direito a voto), os países devem estar de acordo com uma “variável para a democracia”, ou seja, defender e buscar expandir os direitos humanos em seus países, sempre seguindo os princípios democráticos.

Hoje, os países do Grulac que fazem parte do Conselho são: Brasil, Cuba (ambos com mandato até 2019), Chile, México e Peru (os três com mandato até 2020) e Argentina, Bahamas e Uruguai (os três com mandato até 2021).

O Grulac no Conselho

A pesquisa de Nakamura revelou que, no geral, o Grulac se divide em dois grupos ao votar ou propor resoluções. O primeiro é formado por Venezuela, Cuba, Nicarágua, Bolívia e Equador. Já o segundo é formado pelo restante dos 33 países, entre eles Argentina, Brasil, Chile, México, Peru e Uruguai. No geral, o Grulac se posiciona mais próximo do Sul Global, mas existem graus maiores e menores de aproximação.

O primeiro grupo é mais disperso que o segundo, e geralmente se posiciona próximo a países como China, Rússia e os grupos regionais Ásia-Pacífico e Africano. Já o segundo conjunto tem uma posição mais central, menos distante de países dos grupos do Leste Europeu e Europeus Ocidentais e Outros (que inclui os Estados Unidos). O mestrado aponta, portanto, que há “uma influência da divisão Norte-Sul no comportamento dos países no órgão”.

Outro destaque da pesquisa é que, dos cinco grupos regionais da ONU (Grulac, Leste Europeu, Europeus Ocidentais e Outros, Africano e Ásia-Pacífico), o Grulac é o que está mais disperso em votações, com o grupo Europeus Ocidentais e Outros sendo o mais coeso. Também existem casos específicos e mais isolados de divisões em grupos, como a Rússia, que se distancia do seu grupo (Leste Europeu) e o Japão e a Coreia do Sul, que se posicionam mais próximos dos países europeus.

A pesquisa analisou a atuação do grupo no período de 2006 a 2016, momento com poucas alterações no panorama político da região, com exceção dos últimos anos. Nakamura ressalta que, no geral, os países que detiveram assento no Conselho nesse período não passaram por significativas mudanças políticas e, se passaram, isso não se refletiu nas posições dos mesmos quanto às pautas do órgão.

O Brasil de Bolsonaro

A pesquisadora aponta que, com o início do governo Bolsonaro, o Brasil já vem indicando alterações nas suas posições dentro do Conselho, onde, atualmente, possui assento até o fim do ano. O país votou contra resoluções que condenavam violações de direitos humanos em territórios árabes ocupados por Israel, sinalizando um rompimento com o “posicionamento tradicional da diplomacia brasileira e divergindo dos membros do grupo regional”, explica Nakamura.

A pesquisa indicou que o padrão de voto dos países do Grulac para questões de violação de direitos humanos varia de acordo com fatores políticos e as relações dos países do grupo com as nações envolvidas. No caso de Israel e Palestina, esses elementos levam o grupo a ter uma posição bastante crítica e assertiva em relação a Israel. A nova posição brasileira, pró-Israel, determinou, assim, um distanciamento com o resto do grupo regional, algo novo até então.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*