Intervenção diplomática na Bolívia representa sucesso da Unasul

Crise política boliviana de 2008 é tema de pesquisa na USP

Presidente da Bolívia, Evo Morales, fala à imprensa depois da reunião da União de Nações Sul-Americanas. [Imagem: José Cruz/Agência Brasil]

Localizada na porção central da América do Sul, com acessos à bacia do rio da Prata e à Amazônia internacional, a Bolívia detém um histórico de instabilidade política decorrente da articulação de grupos que disputam a influência governamental do país.

À Agência Universitária de Notícias (AUN), Victor Almeida, autor da dissertação de mestrado A União de Nações Sul-Americanas [Unasul] na promoção e proteção da estabilidade política, orientada pelo professor Kai Lehmann e defendida no Instituto de Relações Internacionais, deu detalhes sobre a atuação da organização na crise boliviana de 2008.

Almeida analisou os desdobramentos do processo para o estabelecimento de paz no país e mostrou o avanço da América do Sul como gestora de seus problemas e instabilidades sociopolíticas.

Contexto histórico

Sob a administração do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2002 e 2003, o país já enfrentava protestos relacionados à comercialização e ao uso de hidrocarbonetos em território nacional.

Em 2005, com a eleição de Evo Morales e o apoio de movimentos indígenas e sociais, deu-se início às propostas de renegociação e revisão dos contratos firmados com empresas estrangeiras referentes à exploração de hidrocarbonetos.

O novo presidente buscava realizar a redistribuição de royalties provenientes da exploração de petróleo e gás natural, diminuindo o compartilhamento desses recursos para as regiões produtoras e os expandindo para todos os departamentos do país.

Segundo Almeida, a chegada do governo de Evo Morales e do Movimento ao Socialismo (MAS) foi um momento importante na história da Bolívia. “A intenção e agenda política na eleição presidencial era refundar o Estado, com a formação de uma Assembleia Constituinte e mudanças na economia e na política do país”, explica. Os objetivos geraram resistência por parte de uma oposição localizada na Media Luna, ao leste boliviano. “A oposição começou a boicotar a Assembleia, organizou-se em comitês cívicos-municipais, com conflitos políticos de rua”.

 

Mapa da Bolívia. Em vermelho, territórios da Media Luna, oposição a Evo Morales. [Imagem: Reprodução/Wikipedia]

Instabilidade política e manifestações

A crise boliviana de 2008 foi marcada pela recusa da nova Lei dos Hidrocarbonetos — que estabelecia a redistribuição do Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos (IDH) — por parte dos opositores. Eles desejavam a revogação da Lei, já que o IDH seria usado pelo governo para um programa de previdência social, e exigiam maior autonomia administrativa.

As manifestações contra Morales repercutiram devido aos ataques às empresas de gás natural e aos prédios governamentais. Os confrontos culminaram na morte de dezenas de pessoas, além da destruição de parte do gasoduto binacional Brasil-Bolívia.

Em 11 de setembro do mesmo ano, nas proximidades do vilarejo Porvenir, ocorreu o Massacre de Pando. Indígenas que seguiam para Cobija, capital do departamento, sofreram uma emboscada, onde foram torturados e assassinados por membros de comitês cívicos, agentes do governo local e simpatizantes. O conflito deixou 13 mortos e cerca de 100 feridos.

Massacre de Pando em setembro de 2008 foi o ato mais mortal de violência política na Bolívia desde 2003. [Vídeo: Reprodução/YouTube]

Unasul intervém no cenário de crise

As nações sul-americanas se organizaram para intervir diplomaticamente na Bolívia. “A participação da Unasul contou com um apoio para promover a estabilidade política boliviana. Após o Massacre do Pando, houve uma intervenção a partir da declaração de la moneda, emitida pela Secretária Geral da Unasul, Michelle Bachelet”, comenta Almeida.

A Unasul se antecipou à atuação da Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão competente na mediação  de conflitos no continente. Esta foi a primeira tentativa da Unasul para resolver pacificamente conflitos políticos de maneira independente, sem a intervenção norte-americana no cenário de instabilidade regional. O processo de negociação contou com 20 observadores internacionais e ocorreu sem a presença da imprensa.

A reunião resultou no apoio ao governo de Evo Morales e na defesa da ordem democrática. “A Bolívia decidiu conceder soberania para a Unasul, que formou três comissões temporárias para intervir diplomaticamente no país”, detalha.

Segundo ele, uma das comissões investigou as violações de direitos humanos no Massacre do Pando, enquanto as demais auxiliaram na negociação entre as forças governistas do MAS e as forças oposicionistas da Media Luna. Um referendo foi ampliado para a população boliviana ratificar a Constituição em produção.

Presidente da Bolívia, Evo Morales, fala à imprensa depois da reunião da União de Nações Sul-Americanas. [Imagem: José Cruz/Agência Brasil]
“Ela [Unasul] atuou em vários níveis e os resultados foram positivos, pois conseguiram investigar as violações de direitos humanos. A mediação entre as forças políticas em conflito também surtiu efeito. O referendo da nova Constituição foi realizado e a população boliviana  tomou a decisão de ratificá-la”, conclui Almeida sobre o sucesso da Unasul na crise boliviana.

As comissões designadas determinaram que as autoridades da oposição foram colaboradoras nos ataques e deveriam ser punidas. O Massacre de Pando foi classificado como crime contra a humanidade e afronta aos acordos de Direito Nacional e Internacional.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*