Em 2014, o Ministério da Saúde publicou o manual Saúde da População em Situação de Rua, que mapeou os problemas de saúde e sociais que esses grupos sofrem, além de promover o reconhecimento de sua existência e participação social. A introdução do encarte disserta sobre como o crescimento dessa categoria é fruto do agravamento dos problemas sociais brasileiros. As ações necessárias para atender os requisitos de saúde de pessoas em situação de rua, diferem das aplicadas para outras camadas populares. A tese Consultório na Rua e a atenção básica à população em situação de rua de autoria do psicólogo em Medicina Preventiva, Igor Borysow, buscou avaliar a saúde do grupo de três formas complementares: primeiro, comparando a unidades de saúde móveis no Brasil, Estados Unidos e Portugal, segundo, analisou as circunstâncias (estudo sócio-histórico) que levaram ao surgimento dos Consultórios na Rua no país e terceiro, um estudo de caso sobre a implantação da proposta em município.
O Consultório na Rua (CnR) é uma medida implantada em 2011, para atender pessoas em situação de rua (PSRs), realizando ações de forma itinerante e em associação as Unidades Básicas de Saúde (UBS). Entre os profissionais que compõe as CnRs estão psicólogos, técnicos em saúde bucal, enfermeiros (além de técnicos e auxiliares), cirurgião-dentista entre outros.
Agindo de forma ambulante, os profissionais buscam atender em espaços específicos e nos horários que mais encontrarão moradores de rua na região. O atendimento oferecido deseja melhorar o acesso desses grupos ao Sistema Único de Saúde, transmitindo informações que os possibilite cuidar de si mesmos, explica o Borysow. “As equipes podem tanto realizar atendimentos nas ruas como favorecer o acesso das pessoas às unidades básicas de saúde e/ou demais serviços da rede de saúde e de outros setores, como por exemplo, serviços de abrigamento, restaurantes populares”.
Políticas para ‘indigentes’
O autor relata que medidas mais discretas de apoio para PSRs desde os séculos 17 e 18, realizado primariamente por instituições católicas, que ofereciam abrigo e alguns cuidados de enfermagem.
Com o estabelecimento de especialidades médicas e uma administração hospitalar no século passado, as instituições de saúde passaram a abrir espaço para os “indigentes”. Contudo, nas décadas de 80 e 90, foi relatado dificuldade de adesão por PSRs aos serviços de saúde, por sofrerem preconceitos de médicos e demais profissionais do hospital. Esse impedimento debilitava a eficácia do atendimento.
O Ministério da Saúde data o lançamento da “Política Nacional para a População em Situação de Rua” que estabelecia o atendimento simplificado e seguro de políticas públicas, incluindo saúde. Anos mais tarde, em 2013, as diretrizes governamentais para promoção de saúde foram estabelecidas no “Plano Operativo de Ações para a Saúde da População em Situação de Rua”.
Então renascia o Consultório na Rua, que anteriormente era focado em redução de danos, e se tornava por si só um programa de atenção básica, ligado à outros serviços básicos de saúde. “Articulando suas propostas com algumas das reivindicações dos movimentos sociais, conseguiram levar a frente seus planos e instituíram o novo serviço”, diz o psicólogo, que ressalta a preocupação de se esquecer ações de cuidado ao uso de drogas em detrimento ao foco em estratégias para “o olhar biomédico de assistência”.
Equipes de rua estrangeiras
Borysow relata que a pesquisa usou dois países que também possuem medidas itinerantes: nos Estados Unidos, as Clínicas Móveis de Busca Ativa e em Portugal, com as Equipes de Rua. Os países foram escolhidos devido ao bom desempenho do modelo americano e a forte semelhança do nosso SUS com o Sistema Nacional de Saúde português, além do vínculo cultural compartilhado. “Foi possível perceber que há uma variedade de iniciativas nos Estados Unidos promovidas por organizações sociais e também pelo governo federal, e muitas delas se inspiram no modelo de clínicas móveis, oferecendo atendimento de atenção primário e para o uso abusivo de drogas”, explica o pesquisador, que acrescenta a ação ser parecida no Brasil.
“Já em Portugal, o modelo das Equipes de Rua não se restringe ao cuidado em saúde, e não há obrigatoriedade para o uso de veículos. Estas equipes podem ser organizadas também por organizações sociais e atuam em diversas frentes, como auxílio a abrigamento, a alimentação, entre outras ações para além do cuidado em saúde”, expõe o psicólogo. “Em específico, há equipes promovidas pelos Médicos do Mundo que as organizam inspiradas na atenção primária à saúde, de maneira bem próxima ao modelo brasileiro”, complementa.
Nem sempre invisíveis
O estudo de caso teve inspiração na pesquisa de mestrado de Igor que estudava o acesso de pessoas em situação de rua com transtorno mental aos serviços de saúde, onde conheceu a ação ainda acanhada dos serviços de atenção básica. “Justamente no último ano do mestrado foi lançada a portaria relacionada ao programa Consultório na Rua, e o município que estava sendo investigado não implantou o programa. Fiquei pensando na modificação que uma equipe de Consultório na Rua poderia promover no atendimento intersetorial a esse público”, e então a ideia para o doutorado já estava tomando forma.
“A experiência de acompanhar o trabalho de uma equipe nas ruas de São Paulo foi muito impactante. Entrei em contato com pessoas com as mais diferentes histórias de vida”. Diversos motivos levam pessoas a só ter as calçadas como abrigo: seja por falta de recursos e oportunidades, conservando as limitações sociais de origem a pessoas que passaram pela vida acadêmica e bem sucedidos financeiramente que devido à problemas emocionais, financeiros, de saúde ou conflitos familiares foram “seduzidos a viver a liberdade das ruas, apesar da dureza e da precariedade que esta situação também impõe”.
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